Operador da rede espanhola culpa empresas produtoras de eletricidade pelo apagão
A empresa Red Elétrica, a operadora do sistema elétrico de Espanha, atribuiu esta quarta-feira, 18 de junho, o apagão de 28 de abril na Península Ibérica a incumprimentos de obrigações por parte das empresas produtoras de energia, rejeitando as acusações de "má planificação".
Redação
O Governo de Espanha apresentou na terça-feira as conclusões da comissão de investigação que constituiu para apurar as causas do apagão e revelou que o colapso elétrico se deveu a uma "combinação de fatores" que causaram elevada sobrecarga de tensão na rede elétrica espanhola que o sistema foi incapaz de controlar ou absorver, apesar de haver infraestrutura suficiente de resposta.
O executivo atribuiu responsabilidades a uma "má planificação" por parte da Red Elétrica de Espanha (REE) e a falhas na resposta a que estavam obrigadas empresas produtoras de energia, com suspeitas de incumprimento dos protocolos previstos para situações de sobrecarga de tensão.
Hoje foi a vez de a REE apresentar as conclusões do inquérito interno ao apagão, numa conferência de imprensa em Madrid com os responsáveis máximos da empresa. "Se os geradores com obrigação de cumprimento de controlo dinâmico de tensão - os geradores ligados ao sistema no momento do incidente - tivessem cumprido, não teria havido apagão", disse a diretora geral de Operação da Red Elétrica, Concha Sánchez.
Segundo a REE, o apagão resultou de uma série de circunstâncias que se acumularam e desembocaram num problema de sobrecarga de tensão que levou à paragem em cascata das instalações de produção de energia. O inquérito da REE concluiu que foram registadas oscilações relevantes no sistema a partir das 12:03 locais de 28 de abril (meia hora antes do apagão), com a primeira a ter sido, aparentemente, "forçada" e a resultar de possíveis anomalias internas numa unidade de produção.
Seguiram-se, segundo a REE, perdas de produção no sistema, por terem sido desligadas unidades de forma "incorreta". A primeira oscilação ocorreu numa instalação fotovoltaica em Badajoz, que estava nesse momento ligada à rede de transporte de eletricidade, revelou a REE, sem dar mais detalhes.
Seguiram-se então apagões de geração que levaram ao apagão total, com o primeiro a ocorrer na zona de Granada e a ter sido feito de forma "incorreta", incumprindo obrigações, uma vez que nesse momento a tensão no sistema estava "totalmente dentro dos limites" estabelecidos legalmente.
Assim, de acordo com a REE, essas primeiras desconexões "não justificadas" de unidades de produção aliadas à falta de absorção da sobrecarga a que estavam obrigados os geradores de eletricidade, levou a sobrecargas de tensão já fora de limites normais e ao apagão, sem possibilidade de acionar mecanismos de defesa e equilíbrio do sistema.
A REE recusou uma "má planificação" da empresa nos dias e horas anteriores ao apagão, como apontou o Governo espanhol, defendendo que o colapso teria sido evitado se as empresas com unidades de produção tivessem cumprido as obrigações que tinham naquele dia, por solicitação do operador.
Nem o relatório apresentado pelo Governo espanhol, nem a investigação da REE revelam os nomes das empresas visadas, invocando, nos dois casos, questões legais de confidencialidade.
Recomendações
INEM alerta bombeiros para possíveis atrasos no pagamento do subsídio mensal
Em fevereiro, a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) e o Instituto Nacional de Emergência Médica assinaram um acordo que determinava os novos subsídios a atribuir pelo INEM às corporações de bombeiros com ambulâncias de emergência médica, que passaram a receber, com efeitos retroativos a janeiro deste ano, 8.760 euros mensais, traduzindo-se num aumento de 2.000 euros. Esta semana, o Instituto enviou uma carta às associações humanitárias com ambulâncias do INEM, alertando-as para “a possibilidade de eventuais atrasos no pagamento mensal dos referidos subsídios”. Na missiva a que a Lusa teve hoje acesso, o INEM explica que as suas receitas são provenientes da taxa aplicada sobre os prémios dos seguros, um modelo de financiamento que tem como objetivo “garantir a sustentabilidade do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM)” e permitir “a manutenção dos meios operacionais, a qualificação dos recursos humanos e uma resposta atempada às necessidades da população”. “Contudo, importa referir que a cobrança desta receita não depende apenas do INEM, o que faz com que nem sempre seja possível assegurar a tesouraria necessária para o pagamento atempado dos subsídios devidos aos parceiros do SIEM”, refere a carta assinada pela coordenadora do Gabinete de Planeamento e Controlo de Gestão do INEM. Segundo o instituto, “este constrangimento tem sido agravado pelo aumento significativo dos montantes dos subsídios, decorrente do novo memorando de entendimento em vigor”. O INEM assegura que está empenhado em desenvolver “todos os esforços para garantir os pagamentos dentro dos prazos estabelecidos”, mas “face às limitações” poderá, “em determinados momentos não ser possível cumprir rigorosamente esse objetivo”. Contactado pela Lusa, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses confirmou o atraso no pagamento, precisando que os bombeiros receberam hoje o subsídio que já devia ter sido pago a 10 de abril. António Nunes criticou o INEM por ter enviado esta carta às corporações de bombeiros sem conhecimento da LBP, uma vez que as duas entidades são parceiras e na próxima segunda-feira haverá a reunião mensal do grupo de acompanhamento permanente do acordo assinado em fevereiro. O responsável acrescentou que o INEM apenas comunicou à Liga que ia enviar às associações humanitárias a carta sobre o atraso no pagamento dos subsídios. “De uma forma traiçoeira, o INEM anda a tentar justificar situações que deviam ser feitas no grupo de acompanhamento”, disse, frisando que existe um acordo homologado pela ministra da Saúde que não está a ser cumprido. António Nunes sustentou que o INEM tem que dizer ao Ministério Saúde que precisa de reforço orçamental para cumprir com o acordo, que “não é clandestino”.
Crimes de incitamento ao ódio e violência aumentaram mais de 200% nos últimos cinco anos
De acordo com as Estatísticas da Justiça, da responsabilidade da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), que congrega os dados de todas as polícias, o crime por discriminação e incitamento ao ódio e à violência tem vindo a aumentar de ano para ano desde 2000, primeiro ano com registo de casos nas estatísticas oficiais. Nesse ano houve três casos registados, em 2005 já eram dez, em 2010 houve 15 e em 2015 contabilizaram-se 19. A partir daí, o aumento é constante, com registo de 25 crimes em 2016, 48 em 2017, 63 em 2018 e 82 em 2019. Em 2020 as estatísticas contabilizam 132 crimes por discriminação e incitamento ao ódio e à violência, número que aumenta para 150 em 2021. Em 2022 foram registadas 270 ocorrências, 344 em 2023 e em 2024 o número chega a 421, o valor mais elevado desde que é feita esta contabilização. Os números indicam que entre 2020 e 2024 houve um aumento de 219% neste tipo de crime registado pelas autoridades policiais portuguesas. O Dia Internacional de Combate ao Discurso de Ódio, instituído pelas Nações Unidas, assinalou-se esta quarta-feira, 18 de junho. A data surgiu para alertar para os perigos do discurso de ódio e promover medidas de combate.
Incêndios: Disponíveis para combate 67 meios aéreos, menos nove do que o previsto
“À data, o dispositivo aéreo da ANEPC conta com 69 aeronaves, das quais duas estão inoperativas por motivos de manutenção”, refere a Proteção Civil, numa resposta enviada à Lusa, após os autarcas de Grândola, Ourique e Moura se terem queixado da falta de meios aéreos para combate aos incêndios rurais nestes concelhos e apelado a uma solução urgente para dar resposta às populações. A Diretiva Operacional Nacional (DON) que estabelece o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) prevê para o período de 01 a 30 de junho, denominado 'nível Charlie’, 76 meios aéreos. No entanto, apenas estão operacionais para o combate aos fogos 67. Segundo a ANEPC, os helicópteros ligeiros inoperacionais para manutenção estão sediados nos Centros de Meios Aéreos (CMA) de Arcos de Valdez (Viana do Castelo) e Santa Comba Dão (Viseu). Em Arcos de Valdevez existe um outro helicóptero que está operacional. Na resposta enviada à Lusa pela Proteção Civil apenas são mencionados os locais onde existem meios aéreos, faltando referir quais as aeronaves em falta. A Lusa questionou a Força Aérea Portuguesa, entidade responsável pela contratação dos meios aéreos de combate a incêndios rurais, sobre os motivos para a falta de aeronaves, mas até ao momento não obteve resposta. No início do mês de junho, quando entrou em vigou o 'nível Charlie’, fonte do setor afirmou à Lusa que a falta de meios aéreos estava relacionada com a documentação para poderem operar e falta de candidatos nos concursos. A ANEPC indicou que tem atualmente ao dispor 36 helicópteros ligeiros sediados nos CMA de Arcos de Valdevez , Famalicão, Fafe, Chaves (2), Ribeira de Pena, Bragança, Alfandega da Fé, Baltar, Vale de Cambra, Vila Real, Armamar, Águeda, Viseu, Aguiar da Beira, Mêda, Guarda, Seia, Covilhã, Cernache, Lousã, Pampilhosa da Serra, Pombal, Figueiró dos Vinhos, Alcaria, Castelo branco, Proença-a-Nova, Ferreira do Zêzere, Sardoal, Santarém, Lourinhã, Montijo, Évora, Monchique, Cachopo e Loulé. Estão também operacionais cinco helicópteros pesados localizados nos CMA de Macedo de Cavaleiros, Braga, Pombal, Ferreira do Zêzere e São Brás de Alportel e quatro helicópteros de reconhecimento, avaliação e coordenação em Vila Real, Lousã, Ponte de Sor e Beja. Existem também 18 aviões médios anfíbios em Mirandela (2), Vila Real (2), Viseu (2), Cernache (2), Castelo Branco (2), Proença-a-Nova (2), Ponte de Sor (2), Beja (2) e Portimão (2). Segundo a Proteção Civil, estão ainda ativos dois aviões anfíbios pesados em Castelo Branco e dois aviões de reconhecimento, avaliação e coordenação sediados nos CMA de Viseu e Ponte de Sor. O DECIR vai ser reforçado a 01 de julho e para essa altura estão previstos 79 meios aéreos.
DGS emite recomendações para população vulnerável devido a poeiras do Norte de África
A DGS adianta que, “pela sua maior vulnerabilidade aos efeitos deste fenómeno”, estes grupos, além de cumprirem as recomendações para a população em geral, devem, sempre que possível, permanecer no interior dos edifícios e, preferencialmente, com as janelas fechadas. Para a população em geral, a autoridade de saúde recomenda não fazer esforços prolongados, limitar a atividade física ao ar livre e evitar a exposição a fatores de risco, como o fumo do tabaco e o contacto com produtos irritantes. Numa nota publicada no ‘site’, a Direção-Geral da Saúde refere que “uma massa de ar proveniente dos desertos do Norte de África, que transporta poeiras em suspensão, está prevista atravessar Portugal continental” durante o dia de hoje, podendo estender-se aos dias seguintes. “Prevê-se a ocorrência de uma situação de fraca qualidade do ar no continente, registando-se um aumento das concentrações de partículas inaláveis de origem natural no ar”, salienta. Segundo a DGS, este poluente (partículas inaláveis – PM10) tem efeitos na saúde humana, principalmente na população mais sensível, crianças e idosos, pelo que os cuidados de saúde devem ser redobrados durante a ocorrência destas situações. Mantendo-se esta previsão, a DGS recomenda também aos doentes crónicos para manterem os tratamentos médicos em curso e em caso de agravamento de sintomas contactar a Linha Saúde 24 (808 24 24 24) ou recorrer a um serviço de saúde.
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Na prisão de Aveiro, entre o silêncio, a RPA leva “liberdade” a mais de uma centena de reclusos
Era sexta-feira. Chegamos ao Estabelecimento Prisional de Aveiro pelas 9h20. Uma das guardas que por lá se encontrava em serviço convida-nos a entrar para uma sala que funciona como uma espécie de receção. Pede-nos imediatamente o cartão de cidadão para que possa fazer o registo de cada um. O processo é semelhante ao da última vez que havíamos estado por aqui. Pede-nos também que deixemos o material de vídeo e fotografia em cima da secretária- repleta de papéis- e que guardemos os restantes pertences num cacifo ali ao lado. Concluída esta etapa, pede-nos que aguardemos por Adolfo Pires, técnico superior de Reeducação da prisão de Aveiro. Assim que Adolfo chega à nossa beira começa por nos explicar que hoje é um “dia atípico” pela Rádio da Prisão de Aveiro (RPA) já que à sexta-feira é sempre dia de reunião semanal para preparar a semana que se segue. Diz-nos entre risos que tivemos sorte e azar no dia. Partilha-nos também que quem irá conduzir o programa de hoje será Rosa Gadanho já que teve de trocar de dia com um outro recluso por força do feriado da semana. O nome de Rosa não nos é estranho já que nos havíamos cruzado com ela numa outra reportagem sobre o 25 de Abril. Como ainda era cedo, Adolfo convida-nos a tomar café. Aceitamos. Antes de seguirmos com ele, novamente, a guarda revista-nos e pede-nos que deixemos também na secretária os nossos telemóveis. Subimos um primeiro piso de escadas. No meio das inúmeras divisões que por ali se encontravam- nesse primeiro piso- Adolfo vai-nos destacando uma e outra sala. Aponta ainda para uma janela privilegiada de onde se consegue observar os reclusos no pátio exterior — sem que estes nos vejam. Chegamos, por fim, a um espaço que funcionava como um café. Entre as pessoas presentes, estava já Rosa. Aproveitamos para pôr a conversa em dia. Já mais perto das 10h00, Adolfo encaminha-nos para o segundo piso do edifício. Rosa acompanha-nos. É lá que se encontra aquilo a que Adolfo chama de “cérebro” da prisão — o local de onde partem as principais decisões. Trata-se de uma sala pequena, com uma janela claraboia e três secretárias. Numa delas destaca-se, presa na parede, uma bandeira do Beira-Mar. Às 10h00, Rosa avisa-nos que precisa de descer: está na hora de começar a reunião semanal da rádio. Acompanhamos-a. De volta à receção, recolhemos o material que havíamos deixado. Desta vez, é um outro guarda que nos abre uma nova porta para que possamos seguir com ela. Pelo caminho, observamos os reclusos em diferentes atividades: uns assistem a aulas, outros frequentam o ginásio, fazem limpezas ou ocupam a já ‘famosa’ sala de convívio. Ouvimos conversas cruzadas, o som dos matrecos e, ao fundo, a rádio que passa já um dos hits musicais dos Jáfu'Mega que nos é impossível escapar aos ouvidos: “Latin’America”. A rádio localiza-se mesmo ali, junto à sala de convívio. É um espaço discreto, com uma porta comum, que passa facilmente despercebida para quem não sabe da sua existência. Abrem-nos a porta. Mal entramos, somos imediatamente envolvidos por um ambiente intimista e quase silencioso. O espaço é pequeno, com pouca iluminação, revestido por espuma acústica nas paredes. Numa das paredes, sobressaem alguns recortes da imprensa local e nacional, com destaque para o dia da inauguração. Num deles, lê-se em letras grandes: “A Rádio Prisional já está no ar”. Pelo estúdio há ainda dois armários repletos de CDs de diferentes estilos e artistas — do fado ao rock clássico, passando por outros géneros que ajudam a dar voz à diversidade musical da prisão. Encostados a uma das paredes, repousam alguns instrumentos musicais como guitarras e até um cavaquinho, este último pousado no parapeito de uma pequena janela com grades que denuncia já uma outra vida da prisão. Na parede lateral está ainda exposta a discografia de Carlos Paredes. Sobre a mesa central, destacam-se os microfones, as mesas de som, os auscultadores, uma revista da Blitz e até um gravador exterior que tinha acabado de chegar. No interior do estúdio estão já Rosa Gadanho e Adolfo Pires, mas também Cláudio Pedrosa, adjunto e substituto do diretor do Estabelecimento Prisional de Aveiro, que irá presidir à reunião. Sentados em redor da mesa encontram-se ainda José Mora, José Figueiredo, José Gouveia e André Santos (nome fictício) — os reclusos que, atualmente, estão à frente do projeto e dão voz à Rádio Prisional de Aveiro. Cláudio, que traz consigo uma folha A4 com alguns apontamentos, começa por nos apresentar, explicando aos reclusos que já havíamos estado por ali anteriormente, aquando das eleições legislativas. Em seguida, refere que a organização semanal da rádio foi alterada devido ao feriado na terça-feira passada, e que, neste momento, a equipa responsável pela emissão é composta por apenas cinco elementos — um por cada dia útil da semana. “Num cenário normal, o André faz a emissão de segunda-feira, a professora Rosa à terça, o senhor Gouveia à quarta, o Figueiredo à quinta e o José Mora à sexta. Como esta semana houve feriado na terça-feira e a professora Rosa não podia estar presente, fizemos uma alteração: o Mora fez a emissão na terça e a professora Rosa faz hoje”, explica. Acrescenta ainda que a rádio conta com duas horas de emissão diária, de segunda a sexta-feira, entre as 10h00 e as 12h00. “Em circunstâncias normais, das 10h00 às 11h00 é o programa de autor. A maior parte dos reclusos está aberto nesse período e temos colunas espalhadas pelos vários setores. Depois vocês vão poder ver quando sairmos do estúdio: há colunas no refeitório, na sala de convívio, nos pátios de recreio, etc. A emissão é ouvida por todos”, sublinha. A partir das 11h00 há um encerramento para o ponto geral dos reclusos e depois segue-se a hora de almoço. “Nessa altura, entre as 11h00 e as 12h00 temos toda as semanas [uma playlist] do artista da semana que é escolhido à vez por cada um dos cinco elementos desta equipa da rádio. Esta semana são os Jáfu'Mega por escolha do José Figueiredo”, continua. Na biblioteca, é ainda afixado um cartaz com o artista em destaque, acompanhado de uma pequena biografia — uma folha A3 com o percurso, os álbuns principais e algumas curiosidades. “Fica exposto para que quem estiver a ouvir possa também conhecer melhor a banda em destaque naquela semana”, partilha. Às sextas-feiras, conclui, a equipa reúne-se sempre ali, naquele mesmo estúdio, para planear a semana seguinte e fazer um balanço de como correu a semana que termina. Face à explicação, Cláudio questiona-nos se temos alguma dúvida. Respondemos que não. A dez minutos para as 11h00, a reunião termina e começa-se a sentir aquele nervosismo miudinho de quem está prestes a entrar no ar com mais um programa de autor. A maioria das pessoas acaba por sair do estúdio, e permanecemos apenas nós, a Rosa, o André e o Adolfo. Já posicionada junto a um dos microfones- onde se encontram também as duas mesas de som- Rosa questiona André se está tudo pronto para começar. André responde-lhe que sim e Rosa confidencia-nos entre risos que não percebe nada “daqueles botões”. Às 11h00 em ponto, começa a tocar o jingle de abertura. Reconhecemos a melodia: Gare d'Austerlitz / Variação da Ala dos Namorados. De auscultadores colocados, Rosa balança ligeiramente de um lado para o outro, como se estivesse a saborear a música. Assim, que André sobe o ‘botão’ na mesa de som ouve-se: “Bom dia a todos os que nos acompanham na RPA. Este é mais um programa da biblioteca prisional de Aveiro, espaço radiofónico onde falaremos de tudo o que se passa na nossa biblioteca e não só. Convosco Rosa Gadanho na locução e André Santos na técnica”, lê Rosa Gadanho enquanto segura um papel na mão. Com um sorriso, mostra-nos a folha e explica que é o guião semanal, preparado cuidadosamente por Cláudio e entregue sempre antes do programa, pronto a ser lido no ar. Apesar disso, Rosa não resiste a fazer os seus próprios ajustes: sublinha palavras, risca frases, altera aqui e ali, moldando o texto ao seu jeito enquanto lê. Ao longo daquela hora, entre músicas escolhidas a dedo, ouvimos a revista de imprensa, a ementa da semana, sugestões de cinema e televisão, e até a divulgação de alguns eventos que vão decorrer nos próximos dias dentro da prisão. Quando termina o programa temos a oportunidade de falar novamente com Rosa. Começamos por lhe questionar há quanto tempo é ali voluntária. Rosa diz-nos que começou por ser docente “nos últimos dois anos” na prisão de Aveiro e que foi o bom ambiente que a fez ali ficar mal se aposentou da profissão de professora. Na altura, apenas com o projeto da biblioteca. “É uma maneira de estar em contacto com a realidade do mundo, de continuar a ter os pés bem assentes na terra porque aquilo que contacto todos os dias é com vidas e com pessoas que têm histórias de vida muito interessantes”, exprime. O desafio da rádio surgiria mais tarde. À medida que a conversa avança, descobrimos que Rosa já tinha experiência no meio: fez rádio em algumas estações locais quando tinha os seus “25 anos”. Já lá vão 46. Perguntamos-lhe se este é, de certa forma, um regresso ao mundo da rádio. Rosa sorri e responde que “foi apanhada” e que, sim, é um regresso — embora reconheça que já não é a mesma pessoa de então. Brinca com a sua dificuldade com a parte técnica: “Na altura, nós não tínhamos este aparato, nem pouco mais ou menos. E era alguém, um técnico, que estava na cabine ao lado, que fazia estas coisas, não é? Portanto, eu quando me falaram em vir para aqui, eu disse logo que se alguém quiser trabalhar com os botões, ok. Não me peçam isso, porque eu vou entrar em stress completo”, conta com uma gargalhada. Sobre a rádio na prisão partilha-nos que lhe dá “liberdade em termos psicológicos para perceber o mundo em que vivemos e tentar encontrar algumas explicações”. “Eu com 71 anos já vivi muitos mundos, muitas maneiras de estar e de se viver. Mas vejo que, cada vez mais, o ser humano está a perder oportunidades — e que a dignidade no tratamento das pessoas está cada vez mais defraudada”, denuncia. Ao contrário de Rosa, José Mora, José Figueiredo, José Gouveia e André Santos nunca fizeram rádio. Temos a oportunidade de falar com três deles. Conversamos primeiro com José Mora e José Gouveia num dos pátios exteriores da prisão onde está também localizada uma das colunas exteriores da emissão de rádio. José Mora é o responsável por fazer o programa de autor à sexta-feira. Partilha que até ao momento é o único que ainda não tem nome para o seu programa. Descreve-se como “eclético” nos seus gostos musicais e naquela sexta- que trocou de lugar com Rosa- comenta que talvez pusesse a tocar Steam, uma banda americana de pop rock. Confessa-se ainda um “amante” do programa de rádio “Oceano Pacífico”. “Muita música e poucas palavras”, afirma. “Eu até faço cortes naquele guião que nos dão porque acho que são demasiado explicativos. Falo o menos possível”, explica. Sem nunca nos revelar a sua profissão limita-se apenas a dizer que “guiava muito” e que ouvia muito a rádio no seu dia-a-dia. Porquê o desafio do projeto da rádio? José Mora responde-nos prontamente: “Já que tenho de estar aqui tento fazer coisas que me ajudem a passar o tempo. Era uma experiência nova e pareceu-me que era enriquecedora e que seria boa ideia”. Tal como Rosa, salienta-nos que esta representa “liberdade”. “É uma maneira de nos abstrairmos do contexto. (…) Ali não estou preso. Estou a curtir”, admite. José Figueiredo apresenta-se às quintas-feiras com o programa “José às Dez”, um espaço dedicado ao rock português, onde dá voz a nomes icónicos como GNR, Jáfu’Mega, Xutos e Pontapés ou Luís Portugal. Tal como Mora, decidiu aceitar o desafio por ser mais uma forma de ocupar o tempo. Conta à Ria que o “mais desafiante”, no início, foi mesmo a parte técnica. “A parte da locução acabamos por nos habituar e vai correndo bem. A parte técnica talvez fosse a mais desafiante. Tive de aprender a mexer numa misturadora, num programa de DJ, tivemos aulas de dicção, etc”, recorda. Apesar de nunca ter feito rádio antes, o processo parece já bem apreendido: “O guião é todo lido de seguida, passamos uma música ou duas, lemos uma parte e assim sucessivamente. Às vezes até vem lá escrita a ementa, mas depois não é essa a que vai ser servida… Corrige-se na hora”, relata. Perguntamos-lhe se, tal como no jornalismo, aqui também há um compromisso com a verdade. José responde com convicção: “Claro”. Para ele o projeto traduz-se numa palavra: “gratidão”. “Estou grato por participar no grupo. Aprendi a falar para as pessoas e a ter o compromisso de passar a música aquela hora”, exprime. José Gouveia prefere conversar connosco a partir da biblioteca — um espaço que lhe é bastante familiar, já que é ali que passa todos os dias da semana, incluindo os fins de semana. Atualmente, é o responsável por supervisionar o local. Sentado na sua secretária, conta-nos que assumiu funções a “20 de março de 2023”. No meio das responsabilidades da biblioteca, José ainda encontra tempo para se dedicar à rádio. É o responsável pelo programa das quartas-feiras, ao qual deu o nome de “O Bibliotecário”. Partilha-nos que começa sempre o programa com a música “A Minha Casinha”, dos Xutos e Pontapés — uma escolha que faz por sentir saudades de casa. Sobre a rádio admite, tal como os restantes colegas, que nunca teve qualquer experiência no meio e que simplesmente a ia “ouvindo”, normalmente, no carro. Descreve-se ainda- ao contrário de Mora e Figueiredo- como alguém com “conhecimentos musicais muito diminutos”. “Com a rádio comecei a descobrir que afinal até gostava mais de música do que aquilo que pensava. Após a formação que tivemos fui adquirindo alguns hábitos e hoje mal chego à minha cela a primeira coisa que faço é ligar o rádio”, diz com entusiasmo. Para colmatar os “poucos conhecimentos” musicais, José Gouveia recorda, entre risos, que se inspirou nos tradicionais programas de discos pedidos das rádios locais de antigamente. “Com a autorização da nossa direção lancei um concurso (…) para se criar um programa chamado ‘Discos Pedidos’- que está aqui na biblioteca. Agora retiramos porque atingimos um número muito grande de pedidos de música”, afirma. No total, foram pedidas cerca de 120 músicas. Entre os pedidos, destaca a diversidade musical, incluindo temas como “O Corpo é que Paga”, de António Variações. Questionamos-o também a ele o que significa para si a rádio. Responde-nos com orgulho que é um “grande escape”. “Pelo menos quando estamos a fazer rádio, não nos sentimos presos. Estamos ali, no nosso estúdio de rádio. Estamos ali nós. E a rádio tem uma coisa muito boa, que é: nós podemos dizer algumas coisas que não temos logo resposta imediata. Estamos ali à vontade. (…) Estamos num mundo à parte. Deixamos de estar com a ideia de que estamos presos”, exprime. “Eu costumo dizer que o período mais difícil da minha reclusão é das sete menos um quarto às oito da manhã, que é quando estou fechado”, continua. Nesse tempo, partilha à Ria que se apoia da música, do rádio e do gosto de ler e escrever. “Mas é o período mais difícil, porque eu levanto-me todos os dias às oito horas. Quando o senhor guarda nos abre a porta, eu já estou de robe e de toalha ao ombro para ir tomar banho para o balneário. E depois só páro por volta das seis e um quarto, seis e meia. Portanto, estou sempre ocupado. É isso que nos faz que não estejamos a pensar muito na rua lá fora, embora o pensamento dos meus filhos e dos meus pais, estejam sempre presentes, mas o sofrimento nessas horas praticamente não existe”, ameniza José Gouveia. Sem que o questionemos, no desenrolar da conversa fala-nos ainda sobre os seus dois filhos gémeos de 15 anos e sobre o orgulho que sentiu deles quando lhes partilhou que estava na rádio. “Os meus filhos ficaram extremamente admirados, porque os meus filhos sabiam que os meus conhecimentos musicais e o meu interesse pela música eram praticamente nulos”, conta com uma risada. Já no final da conversa, revela-nos mais um hábito curioso relacionado com o seu programa: “Eu, por exemplo, tenho um hábito que é, quando estou a ouvir uma música, escrevo partes dessa música que eu acho que fazem algum sentido. E depois, quando faço um programa, por qualquer razão, lembro-me: ‘olha, aquela música tem esta mensagem, adequa-se agora’. E vou buscar aquela música”. Com as colunas exteriores já silenciadas — sinal de que a emissão daquela manhã chegara ao fim —, temos agora a oportunidade de conversar com Cláudio Pedrosa, diretamente do seu habitual local de trabalho. Começamos por provocá-lo, relembrando que, naquele dia, se assinalavam exatamente quatro meses desde a inauguração oficial da RPA. Cláudio mostra-se surpreendido com o apontamento e confessa que não se tinha apercebido da data. A rádio foi oficialmente inaugurada a 13 de fevereiro, coincidindo propositadamente com o Dia Mundial da Rádio — uma escolha que, como nos sublinha, não foi feita por acaso. “A ideia surgiu muito inspirada no modelo da Rádio Universidade de Coimbra (RUC) (…) porque funciona como uma rádio escola”, repara. Cláudio recorda que, na altura, já mantinha uma ligação com a RUC, e foi precisamente nesse contexto que conheceu a Inês Cruz — a grande impulsionadora do projeto. Foi ela quem desenvolveu, ao longo de 2024, a proposta de criação de uma rádio dentro de um estabelecimento prisional, no âmbito do seu estágio curricular do Mestrado em Comunicação Social – Novos Média, da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra. “Ela andava à procura de um contexto institucional para fazer o trabalho de mestrado. Inicialmente pensou no Centro Educativo dos Olivais, em Coimbra. Quando me pediu contactos — uma vez que o Centro também pertence à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais —, eu atalhei logo o caminho e perguntei-lhe se não queria vir para Aveiro, fazer o trabalho aqui no Estabelecimento Prisional”, relembra. “Era mais fácil. Estando eu aqui, podia agilizar procedimentos e facilitar tudo. E, além disso, eu já tinha alguma ligação à rádio”, justifica com uma risada cúmplice. Estava dado, assim, o primeiro passo para o nascimento do projeto. No entanto, Cláudio revela que a rádio interna que hoje emite diariamente não passava, no início, de uma proposta com teor formativo e teórico. A ideia era oferecer aos reclusos uma introdução às competências básicas do universo radiofónico. “O que nós percebemos, depois, com o passar do tempo, foi que estar a ensinar estas aptidões aos reclusos, sem que eles tivessem a possibilidade de manipular, efetivamente, os equipamentos de uma rádio, os microfones, os auscultadores, a mesa, tudo isso, tornava-se uma coisa muito abstrata”, explica. A solução, recorda à Ria, foi sair à rua e pedir ajuda à comunidade local. Com o apoio de patrocinadores e doações, conseguiram adquirir os equipamentos essenciais e criar um estúdio dentro da prisão. “À medida que fomos conseguindo essa ajuda, e com o espaço montado, tornámo-nos mais ambiciosos: pensámos, já que chegámos até aqui, vamos mais longe — vamos começar a emitir”. O processo até à primeira emissão demorou mais de um ano. Quando finalmente aconteceu, a rádio passou a funcionar diariamente, com uma equipa fixa de quatro reclusos e de uma voluntária [Rosa]. Um dos receios iniciais, partilha Cláudio, era garantir a preservação do estúdio e do equipamento dentro do contexto prisional. “Inicialmente, nós tínhamos algum receio que o espaço pudesse ser devassado, porque há uma equipa, responsável pela rádio, que são aquelas cinco pessoas que vocês conheceram, e são elas que estão autorizadas a entrar ali e a trabalhar com aqueles equipamentos”, realça. “No estúdio de rádio nós tivemos essa preocupação desde o início em explicar-lhes que é um espaço sagrado, não é um espaço comum onde toda a gente possa entrar”, continua. Apesar dos receios iniciais, Cláudio Pedrosa admite que facilmente acabaram por ser ultrapassados e que, atualmente, é um espaço respeitado por toda a comunidade prisional. “Às vezes pode haver quem bata à porta para chamar alguém ou para perguntar alguma coisa, mas não entram ali, respeitam muito aquele espaço”, assinala. Sobre o que reserva o futuro da RPA? Cláudio responde-nos que há a ambição de crescer ainda mais. “A nossa intenção é começar a chamar alguns reclusos que tenham algum talento especial com a música, que toquem instrumentos, que cantem, para vir às emissões também mostrar o seu talento aos restantes companheiros”, ambiciona. Até lá, a RPA segue no ar, firme e certa, pronta a levar música, histórias e companhia à comunidade do Estabelecimento Prisional de Aveiro. Todos os dias, pontualmente, das 10h00 às 12h00.
INEM alerta bombeiros para possíveis atrasos no pagamento do subsídio mensal
Em fevereiro, a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) e o Instituto Nacional de Emergência Médica assinaram um acordo que determinava os novos subsídios a atribuir pelo INEM às corporações de bombeiros com ambulâncias de emergência médica, que passaram a receber, com efeitos retroativos a janeiro deste ano, 8.760 euros mensais, traduzindo-se num aumento de 2.000 euros. Esta semana, o Instituto enviou uma carta às associações humanitárias com ambulâncias do INEM, alertando-as para “a possibilidade de eventuais atrasos no pagamento mensal dos referidos subsídios”. Na missiva a que a Lusa teve hoje acesso, o INEM explica que as suas receitas são provenientes da taxa aplicada sobre os prémios dos seguros, um modelo de financiamento que tem como objetivo “garantir a sustentabilidade do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM)” e permitir “a manutenção dos meios operacionais, a qualificação dos recursos humanos e uma resposta atempada às necessidades da população”. “Contudo, importa referir que a cobrança desta receita não depende apenas do INEM, o que faz com que nem sempre seja possível assegurar a tesouraria necessária para o pagamento atempado dos subsídios devidos aos parceiros do SIEM”, refere a carta assinada pela coordenadora do Gabinete de Planeamento e Controlo de Gestão do INEM. Segundo o instituto, “este constrangimento tem sido agravado pelo aumento significativo dos montantes dos subsídios, decorrente do novo memorando de entendimento em vigor”. O INEM assegura que está empenhado em desenvolver “todos os esforços para garantir os pagamentos dentro dos prazos estabelecidos”, mas “face às limitações” poderá, “em determinados momentos não ser possível cumprir rigorosamente esse objetivo”. Contactado pela Lusa, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses confirmou o atraso no pagamento, precisando que os bombeiros receberam hoje o subsídio que já devia ter sido pago a 10 de abril. António Nunes criticou o INEM por ter enviado esta carta às corporações de bombeiros sem conhecimento da LBP, uma vez que as duas entidades são parceiras e na próxima segunda-feira haverá a reunião mensal do grupo de acompanhamento permanente do acordo assinado em fevereiro. O responsável acrescentou que o INEM apenas comunicou à Liga que ia enviar às associações humanitárias a carta sobre o atraso no pagamento dos subsídios. “De uma forma traiçoeira, o INEM anda a tentar justificar situações que deviam ser feitas no grupo de acompanhamento”, disse, frisando que existe um acordo homologado pela ministra da Saúde que não está a ser cumprido. António Nunes sustentou que o INEM tem que dizer ao Ministério Saúde que precisa de reforço orçamental para cumprir com o acordo, que “não é clandestino”.
FEST com 250 filmes em Espinho, mais IA, muita habitação e thriller erótico português
Com um orçamento na ordem dos 180.000 euros, a 21.ª edição do certame do distrito de Aveiro e Área Metropolitana do Porto decorre até 29 de junho e este ano passa assim de oito para nove dias de duração, com o que o diretor do festival quis “aliviar a intensidade do programa” e responder ao apelo recorrente de “mais filmes para crianças e jovens” – público que representa cerca de 20% de uma audiência que, em 2024, rondou um total de 15.000 espectadores. “O ano passado já havia muitos filmes com IA, mas este ano nota-se um salto gigante nesse domínio, inclusive ao nível das bandas sonoras, e temos uma secção específica só para obras com essa tecnologia”, declarou o diretor do FEST, Fernando Vasquez, à Lusa. “A IA está a ter um grande impacto na produção cinematográfica e avança a um ritmo tão rápido que as diferenças são abismais”, realçou. Da secção competitiva, que em 2025 conta com 10 longas-metragens, o diretor do FEST começa por destacar “Manas”, de Marianna Brennaud, que descreve como “o grande filme brasileiro do momento” ao analisar o despertar sexual de uma adolescente numa comunidade restritiva da Amazónia, e “Mad bills to pay (or Destiny, dile que no soy malo)”, em que Joel Alfonso Vargas conta como uma gravidez não planeada afeta uma família dominicana a viver nos Estados Unidos. “É um dos grandes filmes americanos de 2025 e está destinado aos Óscares”, garante Vasquez. Segue-se “Peacock”, do austríaco Bernhard Wenger, que “em 2018 ganhou o FEST com a melhor curta de ficção e em 2024 foi um dos grandes vencedores do Festival de Veneza”. A obra é uma comédia satírica sobre a rigidez germânica e aborda a crise existencial de um homem que “pode ser alugado para representar o papel de namorado muito culto, filho educado ou outra figura qualquer, mas não sabe ao certo quem ele próprio é”. Sobre a atualidade política internacional, o diretor do certame salientou dois filmes: “Lesson Learned”, do húngaro Bálint Szimler, que explora o ambiente de um liceu para refletir sobre o sistema educativo após 15 anos de governo de Viktor Órban, e “Happy Hollidays”, em que o realizador palestiniano Scandar Copti mostra as dificuldades que as famílias de origem idêntica enfrentam ao residir em Israel, onde estão sujeitas a discriminação geral e um “regime legal específico”. Com idêntico propósito de reflexão social, mas em registo de documentário, Vasquez aponta ainda “To close your eyes and see fire”, que, sendo o primeiro longa-duração dos austríacos Nicola von Leffern e Jacob Carl Sauer, expõe o trauma coletivo de Beirute após as explosões de 2020 no porto dessa cidade e abre “todas as feridas do Líbano e do Médio Oriente”. Com cerca de 200 obras em estreia nacional e uma panorâmica sobre a produção da Geórgia, que “está na moda e a tornar-se uma potência do cinema mundial” graças a uma geração de novos cineastas “particularmente talentosa”, o cartaz do FEST 2025 inclui ainda um programa de formação a cargo de profissionais nacionais e internacionais, sessões de ‘pitching’ com profissionais do audiovisual e atividades paralelas como concertos, festas e exposições no âmbito da 8.ª Bienal Internacional de Arte de Espinho. A direção do festival nota, contudo, que as limitações de alojamento e habitação em Espinho levam muitos dos oradores e participantes do seu intenso programa formativo a instalarem-se noutros concelhos da região, e causam constrangimentos à própria equipa do certame. “Temos dificuldade em negociar com os técnicos que queríamos ter ao serviço no festival porque, como o evento dura nove dias e envolve jornadas muito extensas de trabalho, os profissionais que vivem longe têm mesmo que ficar instalados por perto e o preço do alojamento é tão caro que nos impede de os contratar”, lamentou Fernando Vasquez. Dado que o problema afeta a generalidade dos grandes centros urbanos nacionais, não surpreenderá, por isso, que a habitação seja “o tema claramente dominante” da secção competitiva dedicada exclusivamente a cinema português e este ano disputada por 23 filmes. Dois exemplos disso são a curta-metragem “Agente imobiliário sem casa para viver”, em que Filipe Amorim aborda no registo ‘mockumentary’ a vida de um profissional que não consegue pagar uma renda própria e tenta vender casas para nelas poder dormir, e “C’est pas la vie en rose”, a “ousada e invulgar” primeira longa de Leonor Bettencourt Loureiro, que nela relata como uma banda francesa a viver em Lisboa passa a explorar a cultura local e a contribuir para a gentrificação da capital. Outros filmes da competição portuguesa são “First Date”, comédia romântica que é o primeiro filme do apresentador televisivo Luís Filipe Borges, “em estreia absoluta no FEST”, e “Arriba Beach”, em que o realizador indiano Nishchaya Gera, residente em Portugal, assina o que Vasquez considera “o primeiro thriller erótico nacional, com conotação LGBT”. “A influência de profissionais estrangeiros a viver em Portugal está a trazer muitas coisas boas para o nosso cinema”, garante o diretor do FEST. “Nos anos anteriores isso notou-se sobretudo com a influência brasileira e agora percebe-se também com os profissionais de outras partes do mundo, que têm contribuído para trazer mais variedade de estilos e formatos ao que se faz em Portugal”, conclui.
Crimes de incitamento ao ódio e violência aumentaram mais de 200% nos últimos cinco anos
De acordo com as Estatísticas da Justiça, da responsabilidade da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), que congrega os dados de todas as polícias, o crime por discriminação e incitamento ao ódio e à violência tem vindo a aumentar de ano para ano desde 2000, primeiro ano com registo de casos nas estatísticas oficiais. Nesse ano houve três casos registados, em 2005 já eram dez, em 2010 houve 15 e em 2015 contabilizaram-se 19. A partir daí, o aumento é constante, com registo de 25 crimes em 2016, 48 em 2017, 63 em 2018 e 82 em 2019. Em 2020 as estatísticas contabilizam 132 crimes por discriminação e incitamento ao ódio e à violência, número que aumenta para 150 em 2021. Em 2022 foram registadas 270 ocorrências, 344 em 2023 e em 2024 o número chega a 421, o valor mais elevado desde que é feita esta contabilização. Os números indicam que entre 2020 e 2024 houve um aumento de 219% neste tipo de crime registado pelas autoridades policiais portuguesas. O Dia Internacional de Combate ao Discurso de Ódio, instituído pelas Nações Unidas, assinalou-se esta quarta-feira, 18 de junho. A data surgiu para alertar para os perigos do discurso de ódio e promover medidas de combate.