Opinião
"O Orçamento é mau, o caos seria pior", opinião de Bruno Vilhena
1. Sempre fui dos que disse que, na sequência das eleições de março deste ano, se só existisse maioria de direita na Assembleia da República com a extrema-direita, e se a AD conseguisse formar um governo minoritário, que o PS devia tentar viabilizar o primeiro Orçamento do Estado. Existem realidades macro que importam e esta é uma delas: manter a extrema-direita longe da governação do país. Disse-o e defendi-o porque acredito que isso, por um lado, libertaria o Governo para governar e para provar ao país os seus méritos e deméritos e, por outro lado, libertaria o PS para, efetivamente, ter tempo para se reorganizar, posicionar como a alternativa ao Governo da AD e fazer oposição. Fazer isso poupava-nos a um Orçamento com cedências ao Chega, ou a uma realidade política ainda mais instável. Para tal, bastava existir boa-fé de ambas as partes e o primeiro Orçamento do Estado passaria. Aconteceu que o Governo decidiu ignorar a parte da boa-fé e, achando desde o primeiro dia que tem o divino direito a governar porque teve mais 0,8 pontos percentuais do que o PS nas eleições, decidiu que se devia comportar como se tivesse uma inquestionável maioria absoluta e que os outros é que se deviam vergar perante a imperial maioria da AD (com um apoio de menos de 35% do Parlamento). Começou, por isso, muito mal o debate orçamental, em que o PS se envolveu e participou com sentido de Estado e, num Orçamento que é para todo o Estado e todos os seus setores, só fez duas exigências: a retirada da medida do Governo da AD do IRS Jovem e não aceitar a descida que o Governo da AD propunha para o IRC. O resultado é o que conhecemos: o Governo da AD recuou quanto à primeira proposta, não recuou quanto à segunda. O PS anunciou, mesmo assim, que se vai abster, viabilizando o OE 2025. Compreendo as críticas que alguns dos meus camaradas vão fazendo ao sentido de voto que o PS vai ter neste Orçamento do Estado. A posição natural de um partido da oposição, que tem uma visão tão diferente sobre o caminho que o país deve tomar, não devia ser a de se abster apenas porque conseguiu retirar da “ementa” orçamental uma medida tão estúpida como o IRS Jovem e descer um ou outro ponto o IRC. Ainda para mais quando o IRS Jovem, nos moldes inicialmente apresentados pelo Governo da AD, seria praticamente inconstitucional. Bastaria ao PS na oposição pedir a fiscalidade sucessiva ao Tribunal Constitucional, não era preciso viabilizar o Orçamento. No entanto, se o PS não tivesse negociado e não tivesse tido esse bom ganho de causa neste Orçamento, teria obviamente de chumbar o documento. Ao chumbar o documento, esta medida nem sequer ia para o Tribunal Constitucional porque não havia Orçamento, e estaríamos na rota certa para umas eleições antecipadas. Não porque seria algo obrigatório, não o é!, mas porque Marcelo Rebelo de Sousa decidiu inaugurar um novo costume de ir a eleições se não existirem Orçamentos e fez questão de fazer esta pressão política constante ao longo do processo. Sobre isto há muito para dizer: por exemplo, que o Governo espanhol, mesmo aqui ao lado, decidiu não apresentar um Orçamento para 2024 e não foi por isso que (1) o mundo acabou e (2) a Espanha deixou de ter um bom desempenho económico à mesma, com um défice abaixo da zona Euro e um dos maiores crescimentos da União Europeia. Ou seja, o problema de um eventual chumbo orçamental não seria financeiro ou orçamental, mas sobretudo político. Seria uma situação pior para toda a gente, incluindo para nós, os eleitores. Em primeiro lugar, porque a repetição eleitoral – imposta por Belém (e pelo PM) – com um Governo que ainda não teve nada para mostrar (e o que mostrou foi mau) não ia gerar ganhos de causa para ninguém. As sondagens, pelo menos, valendo o que valem, indicariam um resultado mais ou menos semelhante ao de março. Ou seja, o problema mantinha-se. Em segundo lugar, corríamos o risco de a situação se agudizar ainda mais, de a polarização política aumentar e de não termos uma solução com a repetição eleitoral. Iríamos ser a nova Bulgária que, já no próximo domingo, vai para eleições a sétima (!) vez em três anos? (estou a exagerar, claro). Apesar de tudo, esta foi, e continuo a achar que é, a melhor das soluções em cima da mesa por um motivo, dá-nos tempo. Dá tempo ao Governo e à oposição séria, dá tempo à política, à clarificação e – sobretudo – ao país. 2. Com toda a novela orçamental, existiu algo que foi divulgado e que quase passou despercebido no meio das discussões: as previsões para o crescimento económico. A mesma AD que disse em março que tinha todas as condições de pôr Portugal a crescer 2,5% em 2025, e depois 2,7%, 3,0%, e 3,4% em 2028, em outubro diz afinal que Portugal só vai crescer 2,1% em 2025, e depois 2,2%, 1,7%, e 1,8% em 2028. Se há coisa a que a AD sempre nos habituou foi a mares de rosas antes das eleições e à revelação posterior de que, na prática, era tudo uma grande mentira. Desta vez não foi exceção: pudemos ver nesta campanha a utilização do embuste eleitoral que é sempre usado pelo PSD, de Barroso a Montenegro. E, não, a realidade não mudou nestes últimos meses.
"O papel fundamental do associativismo estudantil na inclusão dos estudantes internacionais na UA"
O associativismo não é uma atividade fácil. Exige tempo e dedicação à causa coletiva e capacidade de mobilizar os cidadãos em torno de um objetivo comum. Acresce o facto, em alguns casos, dos líderes associativos serem jovens, estarem longe do seu país de origem e também sofrerem na pele os problemas que motivam a atividade das associações. Quando isto ocorre, o trabalho realizado deve merecer apoio e amplo reconhecimento. É o caso da Associação de Estudantes Guineenses em Aveiro (AEGA), até há bem pouco tempo liderada por Florbela Gomes, Janice Mendes, Aliana Reis, Domingos Cipriano, Kenti Inácio, José Tavares, Alamay de Sá e Seco Cassama, com o apoio de Seco Sidibe na presidência da assembleia geral. Trata-se de um caso notável de uma associação reativada com forte envolvimento da comunidade estudantil da Guiné e dos restantes Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. O peso dos estudantes internacionais na academia aveirense é relevante, representando 12,6% da sua população estudantil (dados de 2023/24, disponíveis aqui). Depois das comunidades brasileira e angolana, a guineense era no ano passado a terceira maior do contingente de estudantes internacionais que escolheram a UA numa fase tão importante das suas vidas. Por dificuldades várias, possuía também uma das maiores taxas de desistência. Num diagnóstico produzido no âmbito do LABIC Aveiro - Laboratório de Cidadania Intercultural, que teve como objetivo trabalhar a integração dos estudantes africanos na UA através de práticas colaborativas - um projeto apoiado pelo Programa Portugal Inovação Social e pelo Grupo Prifer como investidor social - identificaram-se cinco causas principais para não se alcançar uma integração plena: (1) desajustamentos entre as expectativas e a realidade encontrada e chegada tardia relacionada com os atrasos nas obtenções de vistos; (2) fragilidades nas competências académicas, sobretudo na língua portuguesa, matemática e TICEs, com impacto direto no acolhimento na sala de aula e nos grupos de trabalho com colegas portugueses; (3) falta de espaços de encontro e redes de apoio; (4) poucas oportunidades para dar a conhecer a sua riqueza cultural; (5) elevado custo de vida, em particular na habitação, face aos rendimentos dos países de origem. Em consequência disto, os resultados académicos são afetados, frequentemente levando ao abandono escolar, as relações sociais próximas com colegas portugueses são raras e a integração profissional é precária e fora da área de formação. Para responder a estes problemas complexos, surgiram seis projetos de inovação comunitária propostos e dinamizados por jovens estudantes africanos. Os estudantes desenvolveram um conjunto de iniciativas de integração social e cultural através das artes (@Milartica), do desporto e do acolhimento, mostrando como os diálogos, as expressões artísticas e os convívios aproximam e criam sentido de pertença. Foram construídas pontes para uma integração académica através de modelos de colaboração e interajuda em domínios essenciais do conhecimento e da aprendizagem – das competências digitais ao ensino do português de Portugal – matérias essenciais para prevenir o abandono. Por último, foi possível validar como o empreendedorismo e gastronomia africana podem ser uma inspiração para novas respostas de empregabilidade e de integração profissional, das quais se destaca a criação do Sabura Aveiro (@saburaaveiro), um take-away de comida africana no Bairro de Santiago. Importa salientar que a Universidade de Aveiro desenvolve há muitos anos um trabalho meritório no apoio aos estudantes internacionais, através da UA Intercultural e do Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), localizados nas catacumbas, em frente à Livraria da UA e ao UA24. Foi na UA, aliás, que foi criado o primeiro CLAIM numa universidade portuguesa. Um dos frutos saborosos do trabalho do LABIC Aveiro, uma parceria feliz entre a UA, a Fundação Aga Khan, a Câmara de Comércio e Indústria do Distrito de Aveiro e a Associação Mon na Mon, foi o impulso ao associativo estudantil, que proporcionou a reativação da AEGA, mas também do Núcleo da CPLP da AAUAv, com muitos protagonistas comuns. Nestas dinâmicas associativas houve a arte de mobilizar a rede de suporte criada durante o LABIC, em particular a UA Internacional, a AAUAV, a associação Mon na Mon, o projeto Milártica, coordenado pela incansável Benvinda Lima, e a União de Freguesias de Glória e Vera Cruz, liderada pelo Presidente Fernando Marques. Esta última instituição apoiou logística e até financeiramente a AEGA, nomeadamente na sua legalização, mostrando a importância do poder local de proximidade. As duas organizações citadas conseguiram promover muitas atividades em prol da integração dos colegas africanos na cidade e na academia, estruturando e dinamizando a sua ação. Foram muitas as atividades realizadas. Sessões de receção aos caloiros, eventos artísticos e culturais para celebrar a cultura guineense, ações de formação e capacitação para a entrada no mercado de trabalho e um debate importante sobre o papel do jovem no continente africano. O resultado teve um impacto relevante. Facilitou o acolhimento dos alunos, contribuiu para construir uma rede de suporte na vida académica ou social, sensibilizou e deu visibilidade à causa da interculturalidade e criou uma rede de amizades essencial para dar sentido à vida de muitos estudantes num local tão distante da família e amigos. Fechado o primeiro ciclo da direção da AEGA, ocorreu o melhor resultado possível. Duas listas de alunos foram a votos para a nova etapa da associação. No passado sábado, tomaram posse os novos corpos sociais liderados por Fofana Keita Junior na Direção, Florbela Gomes na Assembleia Geral e Aires Cuma no Conselho Fiscal, que se apresentaram com vontade de dar seguimento ao excelente trabalho já realizado. O contributo que estes jovens trazem à academia e à cidade de Aveiro é muito importante. Dão vida e riqueza multicultural, criam raízes e oferecem laços, estudam e trabalham para terem um futuro melhor. Todos devemos contribuir para que se sintam em casa e realizem os seus projetos de vida.
"Universidade de Aveiro – Motor de Conhecimento, Inovação e Progresso", opinião de Pedro Veiga
Com os seus 50 anos de história, a Universidade de Aveiro (UA) tornou-se muito mais do que uma simples instituição de ensino. Hoje, é um verdadeiro alicerce para o desenvolvimento da região e do país, destacando-se como motor de conhecimento, inovação e progresso. Estando inserida numa visão estratégica para o futuro da Universidade e do Distrito surge a Ria – Rádio da Universidade de Aveiro, iniciativa que visa fortalecer a comunicação e combater um dos maiores desafios do século XXI: a desinformação. Vivemos num mundo em que a rapidez de partilha de informação é uma realidade, mas nem sempre positiva. A ausência de rigor jornalístico e a propagação de notícias falsas ameaçam as bases da nossa democracia. Este, pelo contrário, é um projeto que as visa fortalecer. Segundo dados da União Europeia, 86% dos europeus acreditam que a rápida disseminação da desinformação é um problema grave para a democracia, enquanto 71% afirmam que são frequentemente confrontados com notícias falsas. Projetos como a Ria são, portanto, fundamentais para assegurar a disseminação de informação isenta e fidedigna. A capacidade de informar e ser informado com qualidade é um dos pilares das sociedades democráticas e saudáveis, e a UA reconhece a importância de assumir este papel. Mas é pelo lançamento da Ria que a UA é um alicerce da região? Também, mas não só. Ao longo de cinco décadas, a UA tem sido um agente incontornável em dois vetores fundamentais para o futuro de Aveiro: o desenvolvimento económico, social, desportivo e cultural, e a criação de uma identidade territorial. Em primeiro lugar, a UA tem uma forte ligação aos seus principais stakeholders, como empresas, autarquias e federações desportivas. A Universidade não só gera conhecimento, como também o transforma em inovação que beneficia diretamente o tecido empresarial e a comunidade local. Ao mesmo tempo o desporto e a cultura assumem-se como pilares neste desenvolvimento, com vários projetos constantemente implementados, visando sempre o bem-estar das pessoas. Em segundo lugar, a UA tem contribuído para a criação de uma identidade territorial própria. A ideia "Ser Aveiro" já transcende as fronteiras do próprio Município aveirense, unindo um distrito que é, por natureza, altamente diverso. Aveiro não só contempla um território de costa e forte ligação ao mar, mas também um interior rural com a floresta como símbolo; contempla uma malha urbana assinalável, essencialmente no centro/norte, mas também uma zona rural bastante vasta; contempla igualmente uma zona agrícola muito característica e zonas altamente industrializadas. É, por isso, um Distrito que apresenta várias formas de estar e de ser, logo, várias formas de identidade territorial, e em que, a UA assume um papel vital na consolidação desta identidade regional, promovendo a coesão entre o litoral e o interior e entre a cidade e o campo. A recente criação do curso de Medicina é apenas mais um exemplo do impacto transformador da Universidade de Aveiro. Ao apostar na área da saúde, a UA reafirma o seu compromisso de ser um motor de crescimento em múltiplas frentes, pondo a inovação tecnológica ao serviço de todas as pessoas da região. Sem alicerces sólidos, não se constroem sociedades livres e prósperas. Hoje a Universidade de Aveiro já é um alicerce essencial para o futuro da região, tornando-a mais conhecedora, mais ligada, mais próxima e mais preparada para os exigentes desafios das décadas que vão seguir-se.
"Aqui está, para aqueles que sonham", opinião de Raquel Tavares, apresentadora na SIC e alumni UA
A velocidade com que se anunciou a grelha do Moto GP para 2025 não foi proporcional à velocidade necessária para estar entre os melhores pilotos do mundo. No entanto, agora que está fechada - e mesmo com a certeza de que Miguel Oliveira, o único português em competição, manteria o seu lugar - o Grande Prémio de Portugal esteve em risco. Contudo, esta não é uma crónica sobre motociclismo, mas antes uma reflexão sobre como o país do futebol tem dificuldade em aceitar o óbvio. 2024 foi o ano em que assistimos à despedida de João Sousa, o melhor tenista português de todos os tempos - pelo menos, até agora. E escrevo “até agora” porque, tal como Miguel Oliveira, o ‘sacrifício’ a que se sujeitou abriu portas para que quem cresceu com o seu exemplo pudesse acreditar que era possível nascer em Portugal e alcançar o que até então só podia ser sonhado. E, se “o homem sonha, a obra nasce”, o que nos leva a crer que este também foi o ano de nascimento de um novo orgulho nacional. Uma modalidade que não existia em terras lusas, viu um projeto pensado e desenvolvido de raiz e ganhou duas medalhas no Jogos Olímpicos, provando que, se quisermos, podemos fazer mais e melhor. Acreditar que todos temos as mesmas oportunidades para alcançar o sucesso é uma ilusão, mas nascer com o sonho de ser atleta é meio caminho andado para atingir objetivos. Porém, nascer com o sonho de praticar uma modalidade para além de futebol, neste país, é voltar à linha de partida sem saber quando vai ser dado o sinal para avançar. É quando chegamos à conclusão de que sonhar nem sempre é suficiente e o talento e a vontade se podem tornar os nossos maiores inimigos. Embora as tentativas para contornar a pouca sorte de existir com um propósito definido e fazer de tudo para lutar por ele, percebemos que há pequenos fatores que podem fazer toda a diferença. Uma criança consegue encontrar forma de crescer enquanto futebolista em qualquer rua, bairro, cidade. O mesmo não acontece nas restantes modalidades e vemos o talento a ser limitado por questões como o sítio de onde vimos, as pessoas à nossa volta e as oportunidades que vão sendo criadas. Muitas vezes, reconhecemos nos pais um esforço maior do que as suas capacidades para proporcionarem formas de diminuir as injustiças sociais. Muitas vezes, uma simples viagem para Lisboa é pedir para abdicarem de uma refeição para que o/a filho/a seja visto/a e tenha o seu valor reconhecido de forma a encontrarem quem queira apostar nele/a. Noutras, a possibilidade de fazer a viagem nem chega a ser uma realidade. Poucos são os que conseguem ultrapassar as dificuldades e manter o sonho vivo até ao fim. Poucos são os que conseguem encontrar um espaço para investir em si e trabalhar o seu talento. Mesmo assim, temos coragem para criticar quem abdicou de tudo e arriscou. Atletas como o Miguel e o João tiveram de sair do país para poderem representá-lo ao mais alto nível, no entanto, nada disso parece suficiente para terem o nosso respeito. Esta não é uma crónica sobre desporto. É sobre permitir que aqueles que sonham, tenham condições para acordar na realidade que sempre desejaram. Em 2025, Portugal volta a receber o Campeonato do Mundo de Moto GP porque sonhámos todos juntos.
"Não se pode pensar nos incêndios apenas quando as árvores pegam fogo", opinião de Pedro Teixeira
É verdade que a catadupa de notícias, sempre tão rápida, faz-nos refletir sobre as mesmas quando acontecem, mas não nos ocupam muito tempo, pois rapidamente surgem novos acontecimentos que nos passam a ocupar. Vejamos que se na semana anterior aos fatídicos incêndios, falava-se com exaltação da fuga dos prisioneiros de Vale dos Judeus, durante os incêndios deixou-se simplesmente de falar. Atualmente renova-se o tema, mas apenas porque continuam fugidos. É preciso pensar no enquadramento jurídico do crime de incêndio (e tipos legais conexos), pois ultrapassando a questão da moldura penal e seu eventual agravamento, a cuja reflexão implica fazer uma análise comparativa com os outros tipos legais de crimes, parece-nos bastante curioso verificar que, tal como o crime de violência doméstica, também este crime tem uma enorme reincidência na nossa sociedade e assim temos obrigatoriamente de concluir que as penas, quanto a este crime, não se encontram a cumprir a sua finalidade. É preciso pensar também de forma mais abrangente, no âmbito digamos, da filosofia do Direito (algo que muito se perdeu), fazendo articular o crime de incêndio florestal com o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito à propriedade privada na senda da Constituição da República Portuguesa. É preciso ver que no caso dos incêndios existe frequentemente a autoria mediata, pela qual o agente se serve de uma pessoa, com ou sem discernimento e com ou sem a perceção errada para executar o delito. Estamos naturalmente a referir-nos ao "sujeito de trás", o autor mediato é quem ordena a prática do crime e o imediato aquele que executa a conduta criminosa, sendo que não existe um aprofundado enfoque da investigação criminal, por falta de meios, organização ou direção, nessa fundamental mão mediata. Sabemos que quase nenhuns autores mediatos foram punidos em Portugal por incêndio florestal, mas eles bem que existem, pelo que a investigação criminal, seja pelo que for na opinião de cada um, não se encontra devidamente a atingir os seus objetivos. Também existe, quanto a esta matéria, uma outra questão especialmente relevante que tem a ver com a prova indireta e que no exemplo da corrupção sofreu diferentes entendimentos ao longo dos anos pela jurisprudência portuguesa, mas no caso dos incêndios parece-nos que não se encontra tão bem compreendida, o que conduz naturalmente a uma enorme dificuldade na sua condenação. Neste âmbito já falamos do supremo poder executivo, no âmbito dos tribunais portugueses. É preciso ver que os terrenos têm obviamente de ser limpos. Se não nos parece que o caminho seja recompensar aqueles que limpam, parece-nos necessária uma fiscalização mais apertada e uma punição mais musculada, mas também nos parece pelos menos motivador e útil, um programa camarário ou no âmbito da administração local, através do qual os particulares possam, se assim quiserem, contratar esse serviço. É preciso criar corredores e implementar medidas de segurança eficazes, que sejam obrigatórias, no âmbito do ordenamento do território. Acontece, como está bom de ver, que tudo isto assume uma maior e ainda mais grave proporção quando são os terrenos públicos que não se encontram limpos nem com os corredores e medidas de segurança, pois questionamo-nos quem sanciona as câmaras ou as entidades administrativas que são proprietárias dos terrenos ou que assumem a sua gestão pública e bem nos questionamos porque nunca o vimos acontecer. É preciso pensar na coordenação do louvável e admirável corpo dos bombeiros portugueses, suas comunicações, meios e coordenação internacional imediata, para que não aconteça o que acontece e para não ver pessoas em absoluto desespero lutarem sozinhas contra o mostrengo, sem qualquer preparação ou conhecimento, perdendo os seus bens e muitas vezes a vida. É preciso pensar nos incêndios não apenas quando as árvores pegam fogo. É urgente pensar. É urgente agir.
"A Procuradora-Geral não achou a noção", opinião de Bruno Vilhena
1. Passou despercebido, mas relembro. A Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, revelou, na semana passada, que em 2023 cerca de 10 500 portugueses estavam a ser alvo de escutas telefónicas no âmbito de inquéritos do Ministério Público. Esta declaração – dita com grande leviandade numa comissão parlamentar – levanta uma questão preocupante sobre a massificação das escutas, um instrumento que deveria ser excecional, numa aparente prática corrente no Ministério Público. A gravidade deste fenómeno torna-se ainda mais evidente quando a PGR se defendeu dizendo que o número de escutas atuais é inferior ao que se registou no passado, quando atingiu o pico de mais de 15 000 pessoas, como se estivesse tudo bem. 10 000 pessoas represetam 0,1% da população portuguesa. 1 português em cada 1000. 1 português em cada 1000 tem o Estado a vigiar as suas comunicações pessoais. E as comunicações que essa pessoa tem com outras pessoas. Ora, esta situação devia fazer soar alarmes. Potencialmente configura um sério atentado contra a privacidade e os direitos individuais de milhares de cidadãos (ou então temos uma população de criminosos graves enorme). As escutas telefónicas são um mecanismo poderoso, concebido para ser usado em circunstâncias excecionais, quando há indícios fortes de envolvimento em atividades criminosas (por exemplo, são tão sérias que têm de ser revalidadas a cada 3 meses). Contudo, o facto de serem aplicadas a um número tão elevado de pessoas sugere que o critério para a sua aplicação pode estar a ser usado de forma arbitrária e/ou desproporcional. A perceção que fica é que o Ministério Público escuta cidadãos na esperança de encontrar provas de crimes, em vez de basear a sua ação em provas concretas previamente obtidas. Este absurdo jurídico à portuguesa, onde tudo passa sem sobressalto, inverte um dos mais principais princípios da justiça: o Estado investiga crimes com base em suspeitas fundamentadas, e não vigia indiscriminadamente a população em busca de irregularidades. Para além da questão desta aparente massificação das escutas, nos últimos tempos, assistimos a medidas de coação exageradas (prisões preventivas) e acusações fracas, muitas das quais resultaram em arquivamentos antes de chegarem a julgamento, num conjunto de erros pelos quais ninguém se responsabiliza. Erros estes que tiveram impactos sérios no país, sendo a queda do governo anterior um dos exemplos mais evidentes (António Costa foi acusado de quê, mesmo?). Estas acusações mal sustentadas, fugas de informação seletivas para a comunicação social, e a aplicação de medidas de coação desproporcionais são sintomas de um sistema judicial que parece, por vezes, funcionar mais por pressão mediática do que por critérios de justiça e legalidade. Mais uma vez, sem qualquer sobressalto. A Procuradora-Geral referiu também, em tom de defesa, que os casos recentemente relatados de ex-membros do governo escutados durante quatro anos são exceções à regra. Afirmou que tal acontece apenas porque “se reconhece a necessidade, para as finalidades do inquérito, de tal ocorrer”. Let that sink in. A ideia de que um cidadão – independentemente da sua posição política – pode ser alvo de escutas durante um período tão longo, ter a sua vida privada vasculhada e sujeita a escrutínio constante, sem que daí resultem provas concretas que justifiquem, sequer, uma acusação mostra, para além de qualquer dúvida razoável, que estamos perante um abuso de poder e uma violação grave dos direitos de defesa e à privacidade. Numa democracia, o Estado tem o dever de proteger os cidadãos e de garantir a segurança pública, mas esse dever não pode ser cumprido à excessiva (notem, excessiva) custa dos direitos individuais e das garantias fundamentais. A prática excessiva de escutas telefónicas, especialmente quando aplicada de forma indiscriminada e prolongada, é incompatível com um sistema de justiça que se pretenda saudável. Se Lucília Gago continua incapaz de reconhecer os problemas que tem em casa, então, com certeza, não nos resta outra opção que não esperar penosamente pelos últimos dias dos seu mandato e esperar que o/a próximo/a ocupante do cargo seja mais exigente e responsável. 2. Na mesma sessão, a senhora Procuradora-Geral da República disse também que existem muitas mulheres magistradas e que isso é um entrave ao funcionamento da instituição porque as mulheres têm filhos, metem licenças de parentalidade e baixas por assistência à família. Pondo de parte o deplorável da afirmação, e olhando para os dados que ela própria apresentou, vai um abraço de solidariedade para as 25 senhoras magistradas que foram mães (25 em 1 700 magistrados, ou 1,5%, para pôr em perspetiva). Aparentemente, são elas que levam a instituição às costas. 3. Com o início da Ria – Rádio Universitária de Aveiro inicia-se também a minha colaboração neste projeto já há muito esperado e muito preciso para a UA, para Aveiro e para a nossa Região. Um órgão de comunicação social independente e livre numa região onde eles vão escasseando. Contarão com os meus textos, mais à esquerda, maioritameriamente sobre a atualidade política, mas às vezes sobre coisas mais interessantes, com uma certa regularidade, ainda não definida. Para dúvidas, questões ou reclamações, não hesitem em entrar em contacto.
"Incêndios em Portugal: Uma Calamidade de Gestão e Planeamento", opinião de João Lourenço Marques
Portugal é devastado por incêndios florestais que deixam um rastro de destruição ambiental e económica. Mas o que realmente está por trás desta calamidade, que se repete ano após ano? A ausência de planeamento florestal representa um grande obstáculo à gestão eficaz das áreas florestais. A estrutura fundiária, com predominância de pequenas parcelas de terreno, em regime de minifúndio (essencialmente no centro e norte do país), combinada com a falta de um cadastro predial atualizado (apenas 30% da área está identificada - ver plataforma Balcão Único do Prédio - BUPi ), dificulta a implementação de estratégias integradas para a gestão territorial. Esta fragmentação e a ausência de informação sobre quem são os proprietários dos terrenos florestais, compromete tanto as ações de prevenção de incêndios, como o aproveitamento económico sustentável dos recursos. A falta de responsabilização direta e de incentivos para uma gestão adequada acaba por perpetuar situações de abandono e negligência, aumentando a vulnerabilidade das áreas rurais aos incêndios. O acumular de material combustível, aliado à falta de manutenção dos terrenos, agrava a exposição do território ao risco de incêndios devastadores. Mitigar o problema dos incêndios em Portugal exige mais do que medidas de prevenção imediata. É necessária uma estratégia de médio e longo prazo que inclua um ordenamento florestal adequado, a identificação e reestruturação do cadastro e a promoção de práticas de gestão sustentáveis.Essas práticas devem dar prioridade à diversidade de espécies. Grande parte da nossa vegetação é composta por espécies com elevada inflamabilidade, que, apesar da sua rentabilidade para a indústria de papel, contribuem para o elevado risco de incêndios. A formação de vastas áreas de monocultura, atuam como verdadeiras "bombas-relógio", prontas a explodir quando o "tempo" marca a combinação perfeita – muito vento, calor e baixa humidade. O problema dos incêndios florestais em Portugal não é apenas uma questão de condições atmosféricas adversas, é um problema de planeamento e gestão, que exige respostas devidamente concertadas. Os incêndios florestais afetam diretamente a biodiversidade. Ecossistemas inteiros são destruídos, levando à perda de habitats para inúmeras espécies de fauna e flora. Esta perda de biodiversidade tem efeitos em cadeia que comprometem o equilíbrio ecológico e a capacidade dos ecossistemas se regenerarem naturalmente, o que exige uma atenção redobrada por parte das políticas públicas na recuperação das áreas afetadas. A reabilitação das florestas e dos solos após os incêndios é um processo que exige tempo e investimento, mas que também nem sempre recebe a devida atenção. O planeamento deve incluir programas de reflorestação com espécies autóctones, assegurando a restituição de ecossistemas e a proteção das áreas florestais contra futuros eventos. Apesar dos esforços legislativos e das campanhas de sensibilização, continua a faltar uma estratégia integrada de ordenamento florestal que envolva governos, autarquias, proprietários e empresas e, assim, almejar ser possível reduzir a vulnerabilidade do país e evitar a repetição deste ciclo destrutivo de incêndios florestais. Sem uma mudança profunda no planeamento e gestão florestal, Portugal continuará a arder, com o futuro das nossas florestas, biodiversidade e comunidades a serem consumidos pelo fogo e pela inação.