"Conselho Geral: Supervisão, Independência e Participação", opinião de Diogo Gomes
Diogo Gomes é professor associado na Universidade Aveiro e investigador sénior no Instituto de Telecomunicações em Aveiro. Participou em vários projetos financiados pela UE na área das Telecomunicações e Tecnologias da Informação.
Diogo Gomes
OpiniãoNo passado dia 19 de Abril, publicou a Radio Ria um artigo sobre as eleições para o Conselho Geral da Universidade de Aveiro, que se realizam no próximo dia 3 de Junho. O artigo aponta também a armadilha do que são atualmente os conselhos gerais na generalidade das Instituições de Ensino Superior (IES): um colégio eleitoral para eleição do reitor.
Importa recordar outras competências deste órgão. De acordo com o regulamento jurídico das IES (RJIES), ao Conselho Geral compete a definição das linhas estratégicas através da aprovação dos planos estratégicos e de atividades, garantir a sustentabilidade financeira ao aprovar o orçamento e as contas, decidir sobre a estrutura interna e supervisionar o funcionamento da instituição ao acompanhar e fiscalizar a atividade do reitor e do conselho de gestão.
Cientes do problema, os vários partidos têm vindo a trabalhar projetos lei na Assembleia da República, tendo na última legislatura sido apresentados projetos tanto do PSD/CDS (Governo) como do PS. Nestes projetos, o Conselho Geral é desligado da eleição do reitor, que passa a ser feito através de uma eleição direta pelos professores, investigadores, funcionários, estudantes e até alumni.
A eleição direta do reitor tem duas grandes vantagens. A primeira - e a mais fácil de entender - é o poder que dá à comunidade universitária, de diretamente votar o candidato a reitor com base nos programas de ação do/a(s) candidato/a(s) admitido/a(s) e não nos manifestos apresentados por listas ao Conselho Geral que elencam um role de propostas e promessas executivas que não podem ser cumpridas por este órgão. A segunda grande vantagem é que liberta os representantes no Conselho Geral de qualquer compromisso de lealdade a um futuro reitor, permitindo desta forma que cumpram o papel de supervisão sobre aqueles que são os atos do reitor, com plena independência e transparência.
Infelizmente a revisão do RJIES caiu com a queda do Governo a 12 de março, não se antevendo, num futuro próximo, a aprovação desta importante alteração à lei. Daí se conclui que, a breve trecho, a eleição do futuro reitor da Universidade de Aveiro, em 2026, tal como das demais IES, será feita nos trâmites habituais, com os candidatos a reitor a dinamizar ativamente a construção de listas, para garantir que no futuro os membros eleitos lhes sejam leais garantindo a posterior eleição e um mandato sem grandes percalços.
O que está aqui em causa é o que os anglo-saxónicos chamam de “checks and balances”, cujo funcionamento hoje temerariamente testemunhamos no outro lado do atlântico. Para o Conselho Geral cumprir a sua missão, este necessita de ser totalmente independente do(s)candidato(s) a reitor, pelo que as listas ao Conselho Geral precisam evidentemente de partir de membros da comunidade académica, despojados de qualquer compromisso com pretensos candidatos futuros ao cargo.
Importa, por isso, eleger representantes que espelhem as opiniões e aspirações dos seus pares e a pluralidade da comunidade académica. Representantes que defendam os supra interesses da instituição, tendo tanto a capacidade de apoiar o reitor na prossecução dos planos e projetos que sejam do interesse da instituição e valorizar o que está a ser bem executado, assim como alertar, chamar à razão, questionar e/ou aconselhar sobre a boa gestão e planeamento da universidade, a curto, médio e longo-prazo.
Para que esta não seja uma opinião inconsequente, juntamente com diversos colegas que partilham esta visão constituímos em tempo recorde o movimento “ua50 – 50 anos de história, 50 anos de ambição”. Do movimento saem 4 listas às circunscrições dos professores e investigadores. Com estas listas quisemos provar que não há inevitabilidades e que a UA está viva. Estamos a concorrer ao Conselho Geral com um manifesto claro de independência, sem qualquer apoio a putativos candidatos. A discussão de quem deverá ser o próximo reitor deve ser feita daqui a um ano, em sede própria, isto é, no Conselho Geral da UA que vier a ser eleito.
Recomendações
"A ciência e a investigação são um bem público, não são mercadoria", opinião de Miguel Pedro Araújo
A proposta orçamental para a Ciência e Tecnologia em 2025 já tinha marcado um retrocesso preocupante: 607 milhões de euros, o valor mais baixo desde 2018. A herança deixada pelo Governo de António Costa - um orçamento de 675 milhões de euros, mais 2,5% do que em 2023 - foi desperdiçada, revelando não só falta de ambição, mas também um desrespeito profundo pelo papel estratégico da ciência. Mas este Governo preferiu continuar a escolher enfraquecer deliberadamente um setor vital para o desenvolvimento do país. Depois da não inclusão de uma Secretaria de Estado para o Ensino Superior na orgânica do Governo, em 2024, surgiu a decisão de extinguir a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), fundindo-a numa nova estrutura orgânica (Agência para a Investigação e Inovação) sem identidade, nem referência, diluindo e esvaziando a missão de uma instituição que, com as suas limitações, era central para a consolidação do sistema científico português. A ciência precisa de estabilidade, previsibilidade e autonomia, não de reformas administrativas que se traduzem em incerteza, perda de história institucional e riscos para a continuidade de projetos, bolsas e, nomeadamente, para as carreiras profissionais, aumentando a precaridade laboral que marca o setor da investigação. Como se tudo isto não fosse, por si só, preocupante, ainda mais inquietante e revelador da ideologia estratégica do Governo é a visão que o atual ministro da Educação deixou clara, no jantar-conferência da Universidade de Verão do PSD (curiosamente, uma alegada iniciativa de formação de jovens quadros) ao afirmar que “a sociedade tem que perceber que é importante e os cientistas têm que perceber que têm a obrigação de devolver à sociedade o investimento que é feito neles”. Esta declaração encerra uma conceção mercantilista e economicista da investigação, como se o valor da ciência pudesse ser medido apenas como retorno imediato ou em ganhos financeiros. A comunidade científica já devolve à sociedade o investimento que recebe. Fá-lo através da produção de conhecimento, da formação qualificada, da inovação que capacita empresas e instituições públicas, e sobretudo pela construção de uma cidadania crítica e informada. O conhecimento científico não é um luxo nem um custo: é um bem público, indispensável para o ensino superior, para a saúde, para a cultura, para a economia, para a justiça social e para que a sociedade seja mais capacitada para enfrentar os grandes desafios do século XXI: das alterações climáticas às desigualdades, da transição digital à defesa da democracia. A imprevisibilidade nos apoios, a instabilidade das carreiras científicas e a instrumentalização da investigação para fins conjunturais fragilizam um sistema que levou (e leva ainda) tempo a consolidar-se. O risco é claro: transformar a ciência e a investigação numa engrenagem subalterna (subsidiodependente) de curto prazo, sem autonomia, incapaz de planear e de responder com liberdade às necessidades da sociedade. Está em causa uma visão do país que queremos ser. E este Governo parece escolher a via de desvalorização do conhecimento, onde a ciência é reduzida a mercadoria, em vez de ser reconhecida como pilar do saber e do desenvolvimento humano, social, económico e cultural de Portugal. É preciso defender a ciência e a investigação, defender o conhecimento, defender o futuro. E isso faz-se com mais investimento, mais estabilidade e mais respeito pelos que dedicam a sua vida à investigação. Porque sem ciência não há futuro. E sem respeito pelos cientistas e investigadores não há democracia digna desse nome.
"Ensino: a prioridade sazonal", opinião de Joana Regadas
Habituámo-nos enquanto seres humanos a diferentes épocas ao longo do ano. Vemos nas épocas festivas o aconchego da família, nos Santos Populares o festejo do início do verão, do convívio entre amigos e família, e na época balnear o prazeroso agosto que promete repor todas as energias, realinhar as ideias e deixar todas e quaisquer preocupações para trás. Há, no entanto, uma época bastante característica em Portugal, que ao contrário das outras três vem carregada de muita reflexão e notícias preocupantes: a época educacional, traduzida como o único período do ano em que se ouve falar sobre o ensino. Todas estas quatro épocas, apesar de muito diferentes, têm alguns fatores em comum: são sazonais, previsíveis e repetem-se de ano para ano. Porém, seria de esperar que a educação e o ensino - o fundamento do crescimento de qualquer sociedade - não aparecessem apenas em duas ocasiões ao longo do ano e sempre com as mesmas motivações. Vemos entre meados de junho/julho um acordar para a importância da educação, ouvimos falar da preocupação dos estudantes que irão realizar os exames nacionais, avalia-se o grau de dificuldade dos mesmos, discute-se a falta de preparação dos alunos, o desajuste dos programas curriculares e um ensino focado apenas para estes momentos, refletem-se anos de estudo nos resultados e estabelece-se um ranking das melhores escolas. Nas primeiras semanas de agosto o interesse na educação volta a reduzir (não caindo para os seus mínimos, isso só é atingido ao longo do ano letivo), discutindo-se com apreensão o número de candidatos ao Ensino Superior. Até que chega o final de agosto e início de setembro, onde o apogeu das notícias, preocupações, deambulações, opiniões, introspeções sobre o ensino acontece. Ficamos cercados com a informação previsível, sazonal e repetitiva, falta de professores e resultados das candidaturas ao Ensino Superior. Chamam-se peritos, dá-se palco a estudantes, professores, quem durante todo o ano se encontra esquecido, mas que nesta altura tem lugar cativo em horário nobre, tentam-se encontrar justificações para o que continua a falhar e em outubro esquecemo-nos de novo desta problemática. Este ano a sazonalidade das épocas mantêm-se, os Santos Populares decorreram da mesma forma, a época balnear com os já tradicionais incêndios florestais (mais uma época sazonal, que fica bem guardada na gaveta quando não é o seu tempo) e o ensino encontra-se com visualizações acima do normal. Apesar da normalidade no decorrer do ano é de notar que as notícias sobre o ensino sofreram algumas alterações, no entanto estas não trazem com elas dados que nos apaziguem. No início de agosto relatava-se uma diminuição significativa no número de candidatos ao Ensino Superior, próximo dos valores de há 7 anos e no passado domingo as preocupações agravaram-se ainda mais, com menos 6 mil alunos a entrarem no Ensino Superior, 11.500 vagas por preencher e com muitos cursos com nenhum estudante colocado. Estes são de facto números alarmantes, números para os quais se discutem inúmeras justificações. Serão os custos associados ao Ensino Superior que explicam estes resultados, ou terá sido a alteração no modelo de acesso? Será um desajuste do ensino superior à procura das novas gerações, ou falta de esperança de que a aposta numa educação superior se reflita numa carreira profissional melhor? Poderá este número inverter-se na segunda fase, havendo mais estudantes que estão habilitados a candidatar-se ao Ensino Superior? Podemos tentar ser pragmáticos e fazer o exercício de analisar cada uma das possíveis justificações de forma individual. A primeira hipótese, e talvez mais consensual entre os comentadores, está relacionada com os custos associados ao Ensino Superior, custos estes que vão desde a habitação, aos transportes, à socialização e à alimentação, que chegam a rondar em Lisboa os cerca de 900 €, sabendo que em Aveiro um quarto ronda os 350€-400€, é expectável que o orçamento mensal não fique muito longe deste valor. É necessário partir esta questão em duas. Se por um lado este ano não se verificou um aumento significativo no alojamento, por outro o poder de compra das famílias tem vindo a diminuir, o que levanta a questão: “Será este o primeiro ano onde as famílias estejam a sentir as dificuldades económicas anunciadas já desde há algum tempo?”. Esta pode ser de facto uma justificação, principalmente para os resultados obtidos na Universidade de Aveiro, maioritariamente composta por estudantes deslocados. As questões que se colocam, caso seja esta a principal razão, são diversas, os complementos atuais deixaram de ser suficientes, estes estudantes deslocados optaram pelo Ensino Superior Privado devido aos custos associados à permanência enquanto estudante deslocado ser superior às propinas no privado, existe informação suficiente dos apoios existentes. Uma conclusão é certa, sendo esta a principal razão, ou só mais uma no bolo é de facto urgente reformular o sistema de ação social! É preciso, também, refletir sobre as implicações das alterações do modelo de acesso, modelo alterado em 2023 e que regressa com os exames obrigatórios para a conclusão do ensino secundário e que passou a obrigar a ter dois exames como prova de ingresso valendo cada um pelo menos 50%. Esta decisão foi fundamentada como necessária para nivelar a inflação das notas, promovidas em diferentes contextos escolares, no entanto, quando esta hipótese é colocada em cima da mesa é necessário de facto questionar se os exames nacionais são um fator nivelador ou não. Alguns dados importantes revelam-nos que os resultados dos exames nacionais subiram no ensino privado e desceram no público, e no acesso ao Ensino Superior verificou-se também uma diminuição dos estudantes em situações socioeconómicas desfavorecidas. A combinação destes dois fatores deve iniciar uma reflexão sobre se este modelo está de facto a cumprir o objetivo ou a perpetuar o distanciamento entre classes sociais mais baixas (com menos poder económico para investir num percurso com diferentes pedagogias e metodologias de apoio) e o acesso ao ensino superior. Estarão de facto os exames nacionais a colocar todos os alunos nas mesmas circunstâncias? A outra questão levantada encontra-se relacionada com o reconhecimento de valor no ensino superior pelas novas gerações, e para isso é importante, também, recordar dados recolhidos aquando da inscrição nos exames nacionais, onde o número de estudantes que respondeu positivamente se pretendiam ingressar no Ensino Superior, e se iam usar os exames nacionais para tal, diminuiu face a 2024. Porque estará a diminuir o interesse dos jovens em ir para o Ensino Superior, estarão à priori conscientes das dificuldades económicas familiares, estarão a optar por soluções fora de Portugal ou têm receio de que ter uma licenciatura em Portugal já não seja o suficiente para ter um emprego de qualidade? No meio de toda a discussão instaurada, e com a cautela necessária para não tirar conclusões antes dos resultados da 2º fase, não pode ficar esquecido o futuro. Daqui a 3, 5 anos teremos menos pessoas com um grau superior a entrar no mercado do trabalho, representarão estes menos 6 mil alunos de agora, menos 6 mil postos de trabalho qualificado no futuro de Portugal? Que futuro podemos esperar se esta tendência não for invertida? Será Portugal capaz de atingir o objetivo até 2030 de 45 % da população entre os 25 e 30 anos com licenciatura, ou irá, uma vez mais permanecer na cauda da Europa? As teorias são diversas, e as problemáticas enfrentadas agora são reflexo da sazonalidade da discussão do ensino em Portugal, que não tem palco nos programas eleitorais e que não é discutida a longo prazo. Resta-nos a esperança de saber que, pelo menos, durante o próximo mês o ensino estará na agenda do país.
"Afinal o que está errado com o Plano de Pormenor do Cais do Paraíso?", opinião de Fernando Nogueira
Quase tudo! O Plano de Pormenor é um ardil para dar legitimidade política e legal a um processo de licenciamento “por antecipação”, engrenado num cálculo privado de viabilidade financeira. 1 - A proposta de elaboração do Plano de Pormenor (PP) decorre da vontade política do presidente da Câmara e da sua governação de verem concretizado um hotel naquele espaço da cidade, assumida previamente a qualquer discussão estruturada sobre a conveniência de autorizar o referido empreendimento ou sobre os pressupostos e objetivos que deviam orientar a transformação daquela parcela de território. 2 - O PP é um “fato à medida” para o referido empreendimento. Mesmo antes da decisão de elaborar o plano, em janeiro de 2019, Ribau Esteves assumiu publicamente a necessidade de acomodar “os pressupostos dos promotores do investimento em causa [que] não parecem flexíveis em relação à ideia ‘em cima da mesa’” porque, como afirmou, “Se não for assim, não o vamos ter”. Não é inusitado um PP servir para apoiar intenções de investimento privadas, se acautelado o interesse coletivo. Mas esse foi atropelado desde os pressupostos: o projeto, inflexível, dos investidores estabelece a altura e volumetria e a Câmara dá o seu aval, defendendo que o mesmo decorre “da inerente viabilidade económico financeira da intervenção”. O Plano de Pormenor é um ardil para dar legitimidade política e legal a um processo de licenciamento “por antecipação”, engrenado num cálculo privado de viabilidade financeira. 3 - É boa prática urbanística que a execução de um PP seja feita por meio de perequação. Ou seja, todos os que têm capacidade de edificação devem ser considerados na proposta de urbanização. A Câmara considerou desnecessário proceder dessa maneira, adiantando ter sido adotado o sistema de “cooperação” (aspas no original) para a execução do plano. Da leitura do relatório do PP fica claro que a referida “cooperação” é apenas uma astúcia semântica, uma vez que aos restantes proprietários restará escolherem entre venderem as suas parcelas aos investidores do hotel, se estes lhas quiserem comprar, ou serem expropriados nos termos da lei, por força do próprio PP. Talvez por causa deste expediente de retórica, escape à CCDR a ultrapassagem de direitos consignados na lei que aqui se prefigura. 4 - Noutro registo, é curioso que seja a própria autoridade do Turismo a considerar que a solução edificatória pode não contribuir para a valorização turística da cidade. O parecer da Turismo de Portugal I. P. refere “Sobre o número de pisos previsto (12) para a Parcela P6, significativamente acima da envolvente, afigura-se que tal solução poderá traduzir-se numa dissonância urbanística, não concorrendo para a qualidade da paisagem urbana e, por esta via, para a valorização turística da cidade, matéria que, contudo, competirá à Câmara Municipal melhor aferir”. Este parecer, remete para o facto de a cidade ser território comum e para a maneira como ela pode ser apropriada por alguns com impactos na urbanidade de todos. Remete também a decisão para a CMA. A volumetria é discutível em termos estéticos e paisagísticos, mas também quanto às cargas sobre as infraestruturas e serviços urbanos e sobre as questões económicas e ambientais. É meu entendimento que matérias desta natureza não deveriam ser decididas pela Câmara de forma unilateral, nem sustentadas num processo de discussão pública de “faz de conta”. 5 - Oportunisticamente, o período de participação dos cidadãos e entidades da sociedade civil ocorre em agosto e está sujeito ao costumeiro processo de receção de “críticas e sugestões” pelo executivo, que as ponderará a recato de qualquer discussão coletiva, com base em “racionalidades prévias”. Cinicamente, refere-se no preâmbulo do PP que “Contamos, como sempre, com a participação ativa dos Cidadãos, das Empresas, das Instituições Públicas e de todos os que acreditam no potencial de crescimento e de desenvolvimento de Aveiro.” O princípio, esse, é o mesmo de sempre: se não houver nada ilegal, pode (e deve) fazer-se. 6 - Finalmente, o debate que decorre na esfera pública está enviesado. É voz corrente de que ali se fará um hotel e esse tem sido o “objeto” da discussão. O relatório do PP, referencia o conteúdo funcional do empreendimento como tratando-se de “um novo edifício destinado a hotel com oferta de serviços complementares, integrando, nomeadamente, valências funcionais de apoio ao turismo de negócios, eventos e atividades culturais.” Escapará ao leitor menos atento, que não se debruce sobre o Regulamento do PP, que no seu artigo 16º, nº2, se estabelece que “A capacidade máxima do empreendimento turístico é de 600 (seiscentas) camas instaladas em 300 (trezentas) unidades de alojamento (UA), das quais 50, no máximo, podem ser apartamentos.” Na verdade, até podem ser apartamentos em regime de apart-hotel, mas negócio bem diferente do da hotelaria, e da posição assumida pela Câmara em defesa da promoção do hotel, resultará da autonomização e promoção imobiliária destes 50 apartamentos. Cumpre-me denunciar, enquanto cidadão, professor de urbanismo e vereador em exercício, que a CMA promove, com sentido de propósito, a entorse de direitos privados e do direito de todos à cidade, usando os instrumentos de urbanismo em sentido contrário ao dos pressupostos que, em primeira instância, levaram à criação dos mesmos.
"Porquê orgulho? Porque ainda não é seguro viver sem medo", opinião de Hugo Filipe Nunes
Junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+. É um mês de visibilidade, de luta, de memória e de celebração. Mas, ano após ano, há quem insista em perguntar: “E o orgulho hetero, quando é?” Como se fosse comparável. Como se a história fosse igual para todas as pessoas. Como se o orgulho de quem foi silenciado, perseguido, ridicularizado ou agredido fosse um capricho — e não um ato de resistência. É importante dizer o óbvio: ninguém precisa de um “orgulho hetero” porque ninguém foi jamais espancado por ser heterossexual. Ninguém perdeu o emprego, foi expulso de casa ou ameaçado na rua por andar de mão dada com alguém do sexo oposto. Ninguém se viu forçado a esconder quem é — para sobreviver. O orgulho LGBTQIA+ não nasce da arrogância. Nasce da dor e da recusa da vergonha. É o contrário da superioridade; é uma resposta à humilhação imposta. Estamos em 2025. Portugal é, em muitos aspetos, um país progressista. Temos casamento igualitário, possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, reconhecimento legal da identidade de género, e algumas proteções anti-discriminação. Mas quem acha que “está tudo resolvido” vive numa bolha. As agressões homofóbicas continuam a acontecer. O bullying nas escolas é uma realidade. O acesso a cuidados de saúde competentes e respeitadores da identidade de género continua desigual. E há cada vez mais discursos públicos que ridicularizam ou atacam os direitos conquistados. Este ano, o mês do Orgulho acontece num contexto político particularmente preocupante. Com a extrema-direita a almejar cada vez mais poder, os direitos das pessoas LGBTQIA+ voltaram a ser alvo. Com linguagem disfarçada de “liberdade de expressão” ou “defesa da família”, o que se vê é o retorno de preconceitos já combatidos: a ideia de que somos uma ameaça à infância, de que devemo-nos “manter discretos”, de que exigir respeito é impor uma “agenda”. É neste contexto que surgem também os ataques ao chamado “wokismo”. A palavra “woke”, que começou por significar consciência social e atenção às injustiças, foi capturada e transformada num insulto. Sempre que alguém se indigna com o racismo, com a homofobia, com o sexismo ou com a desigualdade, é imediatamente apelidado de “woke”. Como se lutar por direitos fosse uma moda. Como se combater a exclusão fosse uma fraqueza. É uma estratégia velha: gozar com a linguagem para deslegitimar a causa. Mas as causas permanecem. E são justas. Não é coincidência que, em todos os países onde a extrema-direita governa ou tem alta influencia, os direitos LGBTQIA+ estejam entre os primeiros a serem atacados. A lógica é simples: criar inimigos internos, dividir a sociedade, impor uma moral única. Em nome da tradição, retiram-se direitos. Em nome da ordem, persegue-se a diferença. Mas a resposta a este avanço não pode ser o silêncio. Não podemos baixar os braços, nem tratar a igualdade como garantida. O Orgulho existe precisamente porque o perigo ainda existe. Porque, mesmo com avanços legislativos, o preconceito não desapareceu. Porque cada gesto público de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo ainda é, muitas vezes, um ato corajoso. Porque os adolescentes LGBTQIA+ continuam a crescer com medo, sem referências, sem apoio. Enquanto existir medo, vergonha, discriminação ou violência, o orgulho é necessário. Não é provocação; é defesa. Não é espetáculo; é sobrevivência. É dizer “estamos aqui” num mundo que tantas vezes nos quis apagar. E sim, este combate é político. Porque a liberdade e a igualdade não se defendem apenas com boas intenções. Exigem leis, políticas públicas, financiamento a organizações de apoio, campanhas de sensibilização. Exigem coragem de quem governa e de quem representa, mesmo em assembleias de freguesia. Neste junho, que ninguém se cale. Que se pinte, que se dance, que se ocupe o espaço público, que se abracem causas e pessoas. Porque o orgulho não é só de quem é LGBTQIA+. É de todas e todos os que acreditam que ninguém deve ser tratado como cidadão de segunda. Se ser woke é defender quem sempre foi silenciado, então que nunca me falte orgulho de o ser.
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Autárquicas: Debate autárquico junta PS e BE esta terça-feira na Ria
A sessão desta terça-feira contará com a presença dos dois candidatos à Câmara Municipal de Aveiro: Alberto Souto de Miranda pelo PS e João Moniz pelo BE. Alberto Souto de Miranda tem 67 anos, é licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e pós-graduado e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Clássica de Lisboa. Foi presidente do Município de Aveiro entre 1998 e 2005 e Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações no XXI e no XXII Governos constitucionais. No currículo profissional constam ainda empresas como a Caixa Geral de Depósitos, a Autoridade Nacional das Comunicações, o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Banco Europeu de Investimento. João Moniz, tem 35 anos, é natural da freguesia da Glória, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Aveiro e trabalha como investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.Para além da carreira académica, tem um percurso de ativismo social, especialmente na luta pela habitação acessível. É coordenador do movimento "Casa para Viver" no distrito, tendo organizado várias manifestações sobre o tema em Aveiro nos últimos anos. Foi ainda eleito para a Assembleia de Freguesia em Esgueira em 2017 e para Assembleia Municipal de Aveiro em 2021. O frente-a-frente de hoje [entre o PS e o BE] terá início pelas 20h30 e poderá ser acompanhado pelo Facebook e pelo Youtube da Ria. O próximo encontro acontece já amanhã, 17 de setembro, entre o PAN e a CDU, seguindo-se o PS e o Chega, na quinta-feira, no mesmo horário e nos mesmos moldes. Os debates irão abordar questões sobre a atualidade da campanha, perguntas temáticas em áreas como habitação, urbanismo, mobilidade, transportes, turismo, educação, economia, empresas, inovação, ambiente, espaço público, saúde, ação social, educação, desporto e cultura, bem como questões sobre governabilidade na Câmara e na Assembleia Municipal. Todos os tempos serão cronometrados e iguais para cada candidatura, garantindo equilíbrio no confronto de ideias. Tal como noticiado pela Ria, durante quatro semanas, os candidatos às eleições autárquicas em Aveiro vão confrontar-se em duelos diretos, com 45 minutos de duração, e em debates alargados, com 90 minutos. Dos debates frente-a-frente, dos partidos com assento na AM, apenas Luís Souto de Miranda, candidato da coligação ‘Aliança com Aveiro’ (PSD/CDS/PPM), não estará presente. Serão ainda realizados dois debates alargados: um no dia 29 de setembro, pelas 20h30, com todos os partidos com assento na AM (‘Aliança com Aveiro’, Partido Socialista, PAN, Bloco de Esquerda, Chega e CDU), e outro no dia seguinte, à mesma hora, com todos os partidos sem assento na AM (Iniciativa Liberal, Livre e Nós, Cidadãos!).
UA inaugura novo teatro anatómico e lança programa de doação de corpos à ciência esta quarta-feira
De acordo com uma nota de imprensa da UA enviada às redações, o teatro anatómico é considerado “fundamental” para a formação dos estudantes do Mestrado Integrado em Medicina da UA. A nota salienta ainda que a observação e intervenção em corpos é essencial para o estudo e avanço da ciência médica. O processo de doação está enquadrado pela legislação nacional e deve ser feito em vida, embora ainda exista necessidade de maior divulgação e esclarecimento sobre esta prática, considerada simples, mas essencial para a “qualidade do ensino e da investigação”. Neste contexto, a UA lançou a campanha de sensibilização “Doar para Ensinar a Salvar”, em colaboração com as Unidades Locais de Saúde do Centro Académico Clínico Egas Moniz Health Alliance (EMHA). Durante a sessão de inauguração, que terá início pelas 14h30, será apresentado o Programa de Doação do Corpo à Ciência, seguido de uma visita às instalações do Teatro Anatómico. O momento contará com a presença de Ana Povo, Artur Silva, presidente do Centro Académico Clínico EMHA e vice-reitor da UA, Francisco Amado, diretor de Ciências Médicas da UA e Rui Costa, diretor da Escola Superior de Saúde da UA.
Chega apresenta Bruno Alves como candidato em Santa Joana e aponta críticas à gestão local
Bruno Alves começou, numa fase inicial, por se dar a conhecer aos presentes. Aveirense de gema, exprimiu que tem uma “paixão imensa” pela cidade e que mora “há 15 anos” em Santa Joana. Num tom crítico, reconheceu que a freguesia “precisa de muita atenção”, apontando em particular o estado “muito degradado” das estradas. “É uma freguesia que vive apenas para uma ou duas ruas, ficando o restante remetido para segundo plano”, sublinhou, insistindo que o partido quer mudar esta realidade. “Queremos representar esta mudança de mentalidade de que só existe um sítio ou aquilo que vai na cabeça de quem governa”, atirou Bruno Alves. Ainda nas críticas, o candidato do Chega em Santa Joana apontou o exemplo da escola EB1 do Solposto, que considera estar “absolutamente esquecida”. “É de uma falta de cuidado tremenda a forma como nós tratamos as nossas crianças, os nossos pais, os nossos professores. É inadmissível uma obra estar há quatro ou cinco anos no começa, acaba. Passa por duas empresas ambas abriram falência. Não há responsabilidade do executivo na falência das empresas”, criticou. Bruno Alves defendeu que a sua candidatura pretende trazer “transparência”. “Temos ido a outras freguesias vizinhas e as queixas são transversais a toda a gente. São as estradas, os passeios, as escolas, o facto de não se ponderar sequer a execução de um cemitério…. (…) Temos de ter esta presença, ouvir as pessoas constantemente, perceber o que é que realmente a freguesia quer e para onde a freguesia quer caminhar”, explicou. No seguimento, avançou que a sua candidatura assenta em “cinco compromissos básicos”: Cuidados com os espaços públicos; apoio às famílias; transparência nas contas; segurança e educação e presença. “A nossa freguesia só tem a presença do executivo naqueles pontos-chave da freguesia e são pontos-chave para eles. Para mim, o ponto-chave da freguesia é toda a freguesia”, reforçou. A sessão contou ainda com a intervenção de Diogo Soares Machado, candidato do Chega à Câmara de Aveiro, que aproveitou o momento para criticar o atual executivo. A propósito da habitação em Santa Joana, apontou como exemplo negativo as zonas do Caião e do Griné. “Foi construir e abandonar”, frisou, atirando responsabilidades ao Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e ao Município. “Uma vez eleitos, tudo o que é IHRU vai passar para a posse do Município. (...) Com essa gente nós não vamos perder mais tempo”, garantiu. O candidato acrescentou ainda que o Chega se apresenta “para assumir responsabilidades que outros permanentemente tentam alijar, passando-as para terceiros”. Numa crítica direta a Alberto Souto de Miranda, candidato do PS à Câmara de Aveiro, atirou, ironicamente, que: “um deixou 250 milhões de euros de dívidas e foi-se embora dizendo que foram 250 milhões, mas deixou um estádio”. Sem esquecer a área da saúde, Diogo Soares Machado classificou-a como “quase criminosa”. “Ao longo de 35 anos, o Hospital de Aveiro é o mesmo. (…) Há dez anos não tinha contentores… Agora tem contentores onde funcionam consultas (…) de quimioterapia, de oncologia”, atirou. O candidato acusou ainda a autarquia de inação. “O que é que fez a Câmara que ainda está? Vendeu (…) o terreno em frente ao hospital e comprou, demoliu os antigos armazéns da Câmara e o antigo estádio Mário Duarte. (…)E, em oito anos, o que fez foi um parque de estacionamento em gravilha. Mais nada. Zero”, criticou. Recorde-se que tal como noticiado pela Ria, o Chega apresenta como uma das principais medidas a construção de um novo hospital, localizado fora de Aveiro, na confluência das grandes autoestradas, nos terrenos do Parque Desportivo de Aveiro. A propósito da reclamação que suspendeu a adjudicação do projeto de ampliação do Hospital de Aveiro, Diogo Soares Machado deixou ainda uma garantia: “Se for preciso eu acampo à porta do Ministério da Saúde e não saio enquanto não me disserem quais são os compromissos e os requisitos que a Câmara de Aveiro tem de cumprir para, em conjunto com o Ministério da Saúde, ambos unirem esforços e até 2029 termos o novo hospital a construir”. Sobre o curso de Medicina na Universidade de Aveiro acrescentou também: “Vai ser o nosso parceiro de excelência, não só no projeto do novo hospital, como na exploração do novo hospital. O edifício académico, com laboratórios, com 15 blocos operatórios”.
Capicua, Ana Deus e dezenas de autores nos 10 anos do Festival Literário de Ovar
Com entrada livre em todas as iniciativas do programa, o evento do distrito de Aveiro é organizado pela Câmara Municipal local e propõe uma edição comemorativa “mais alargada, participativa e profundamente ligada ao território e ao seu tempo”. Domingos Silva, presidente da Câmara de Ovar, declarou à Lusa que, ao fim de 10 anos e 11 edições, o festival está “totalmente consolidado” e acrescenta: “Se é verdade que o Festival Literário de Ovar é hoje uma efetiva celebração do concelho, que durante cinco dias se transforma numa verdadeira biblioteca viva, também tem a ambição de continuar a reinventar-se, na certeza da sua valia cultural, social e económica da proposta neste caminho dinâmico e eterno de aproximar a literatura dos leitores”. O autarca defende, por isso, que o futuro do evento passa por “continuar a crescer e a reinventar novas formas de promover a leitura e a partilha de momentos culturais diferenciadores e identitários”. Distribuída por locais como o Parque Urbano de Ovar, o Centro de Arte, a Escola de Artes e Ofícios, o Museu Júlio Dinis e o Parque Ambiental do Buçaquinho, a edição do 2025 do Festival Literário de Ovar propõe para o seu primeiro dia uma instalação sonora de Tiago Schwäbl, uma mesa-redonda sobre a relação entre criação artística e obra literária, uma performance teatral pela companhia Contacto, uma conversa entre os músicos Capicua e Luís Portugal, e um concerto por Carlos Alberto Moniz. Para quinta-feira está prevista a apresentação do livro de Daniel Pinto-Rodrigues “O corregedor interior”, assim como uma conferência sobre literatura enquanto processo de libertação e o concerto “Canções para beber com Pessoa”, de Ana Deus e Luca Argel. O dia seguinte está reservado para uma performance do Trigo Limpo Teatro ACERT, uma oficina de leitura e escrita por Paulo Freixinho, a apresentação dos livros “Um pouco mais de sol” de Abel Mota e “Phosphoros (100 amorfos)” de António Carlos Santos, uma conferência sobre a relação do festival com o território e outra sobre o potencial anti-poder da cultura – tudo antes do concerto “Anónimos de Abril” com Joana Alegre, Rogério Charraz e José Fialho Gouveia. Sábado será dedicado à entrega de prémios do Concurso Literário e de Ilustração Júlio Dinis, a oficinas de ilustração por Nuno Alexandre Vieira e aRita, e à apresentação dos livros “Truz Truz, abre a porta, avestruz”, de Vera Morgado, “Patrulha Raposa – Vigilantes da floresta”, de Diana de Oliveira, “Agora sou capaz”, de Ricardo Santos e Joana Nogueira, e “Cartografia”, de Minês Castanheira e Raquel Patriarca. No mesmo dia haverá mais teatro do Trigo Limpo, uma sessão de contos por Luís Correia Carmelo, uma mesa-redonda sobre vaidade e inveja, outra sobre amizade e dinheiro, e uma terceira sobre obstinação na escrita, sendo que para a noite está reservada uma sessão de “Poesia a meias” e o espetáculo “Para atravessar contigo o deserto do mundo”, com Lúcia Moniz e Pedro Lamares. O festival encerra domingo com várias outras atividades: além de teatro profissional e cinema por estudantes locais, incluirá sessões de contos por Cândida Jardim e Paula Margato, oficinas de ilustração por Matilde Horta e Rita Correia, e a apresentação dos livros “O descabido caso dos livros desaparecidos” de Carlos Nuno Granja, “A dança dos pássaros invisíveis” de Edgar Pedro, “O rufo do tambor que levamos no peito” de Rui Guedes e os títulos da coleção “Colégio do Templo” de Nuno Bernardo. As mesas redondas desse dia, por sua vez, contarão com os autores Vanessa Martins, Alice Caetano, Joana Leitão Cristina Carvalho, José Manuel Castanheira, Madalena Sá Fernandes, Manuel Frias Martins e Rui Couceiro.