RÁDIO UNIVERSITÁRIA DE AVEIRO

Opinião

"Conselho Geral: Supervisão, Independência e Participação", opinião de Diogo Gomes

Diogo Gomes é professor associado na Universidade Aveiro e investigador sénior no Instituto de Telecomunicações em Aveiro. Participou em vários projetos financiados pela UE na área das Telecomunicações e Tecnologias da Informação.

"Conselho Geral: Supervisão, Independência e Participação", opinião de Diogo Gomes
Diogo Gomes

Diogo Gomes

Opinião
08 mai 2025, 16:20

No passado dia 19 de Abril, publicou a Radio Ria um artigo sobre as eleições para o Conselho Geral da Universidade de Aveiro, que se realizam no próximo dia 3 de Junho. O artigo aponta também a armadilha do que são atualmente os conselhos gerais na generalidade das Instituições de Ensino Superior (IES): um colégio eleitoral para eleição do reitor.

Importa recordar outras competências deste órgão. De acordo com o regulamento jurídico das IES (RJIES), ao Conselho Geral compete a definição das linhas estratégicas através da aprovação dos planos estratégicos e de atividades, garantir a sustentabilidade financeira ao aprovar o orçamento e as contas, decidir sobre a estrutura interna e supervisionar o funcionamento da instituição ao acompanhar e fiscalizar a atividade do reitor e do conselho de gestão.

Cientes do problema, os vários partidos têm vindo a trabalhar projetos lei na Assembleia da República, tendo na última legislatura sido apresentados projetos tanto do PSD/CDS (Governo) como do PS. Nestes projetos, o Conselho Geral é desligado da eleição do reitor, que passa a ser feito através de uma eleição direta pelos professores, investigadores, funcionários, estudantes e até alumni.

A eleição direta do reitor tem duas grandes vantagens. A primeira - e a mais fácil de entender - é o poder que dá à comunidade universitária, de diretamente votar o candidato a reitor com base nos programas de ação do/a(s) candidato/a(s) admitido/a(s) e não nos manifestos apresentados por listas ao Conselho Geral que elencam um role de propostas e promessas executivas que não podem ser cumpridas por este órgão. A segunda grande vantagem é que liberta os representantes no Conselho Geral de qualquer compromisso de lealdade a um futuro reitor, permitindo desta forma que cumpram o papel de supervisão sobre aqueles que são os atos do reitor, com plena independência e transparência.

Infelizmente a revisão do RJIES caiu com a queda do Governo a 12 de março, não se antevendo, num futuro próximo, a aprovação desta importante alteração à lei. Daí se conclui que, a breve trecho, a eleição do futuro reitor da Universidade de Aveiro, em 2026, tal como das demais IES, será feita nos trâmites habituais, com os candidatos a reitor a dinamizar ativamente a construção de listas, para garantir que no futuro os membros eleitos lhes sejam leais garantindo a posterior eleição e um mandato sem grandes percalços.

O que está aqui em causa é o que os anglo-saxónicos chamam de “checks and balances”, cujo funcionamento hoje temerariamente testemunhamos no outro lado do atlântico. Para o Conselho Geral cumprir a sua missão, este necessita de ser totalmente independente do(s)candidato(s) a reitor, pelo que as listas ao Conselho Geral precisam evidentemente de partir de membros da comunidade académica, despojados de qualquer compromisso com pretensos candidatos futuros ao cargo.

Importa, por isso, eleger representantes que espelhem as opiniões e aspirações dos seus pares e a pluralidade da comunidade académica. Representantes que defendam os supra interesses da instituição, tendo tanto a capacidade de apoiar o reitor na prossecução dos planos e projetos que sejam do interesse da instituição e valorizar o que está a ser bem executado, assim como alertar, chamar à razão, questionar e/ou aconselhar sobre a boa gestão e planeamento da universidade, a curto, médio e longo-prazo.

Para que esta não seja uma opinião inconsequente, juntamente com diversos colegas que partilham esta visão constituímos em tempo recorde o movimento “ua50 – 50 anos de história, 50 anos de ambição”. Do movimento saem 4 listas às circunscrições dos professores e investigadores. Com estas listas quisemos provar que não há inevitabilidades e que a UA está viva. Estamos a concorrer ao Conselho Geral com um manifesto claro de independência, sem qualquer apoio a putativos candidatos. A discussão de quem deverá ser o próximo reitor deve ser feita daqui a um ano, em sede própria, isto é, no Conselho Geral da UA que vier a ser eleito.

Recomendações

"Uma Nova Visão de Coesão para Portugal", opinião de André Gomes
Opinião

"Uma Nova Visão de Coesão para Portugal", opinião de André Gomes

Neste tempo em que a fruta da época são as promessas dos vários líderes políticos, nas suas já tradicionais proclamações por “amanhãs que cantam”, não podia deixar de apresentar uma proposta que estou convencido de que poderia vir a ser um importante contributo para resolver, por um lado, um grande problema coletivo — a gestão e a coesão territorial — e, por outro, um desafio individual — a gestão/utilização do património rústico, muitas vezes herdado, não identificado e quase sempre abandonado. A iniciativa que se propõe, passa pela criação de um sistema integrado de troca voluntária de terrenos rústicos por Certificados de Aforro, promovendo, dessa forma, o emparcelamento e gerando receitas, quer através de explorações agrícolas, quer através da venda de créditos de carbono, num movimento que pretende transformar paisagens, reorganizar e valorizar o território nacional. Portugal enfrenta, há várias décadas, um dos maiores desafios no ordenamento e gestão do seu território rural: a fragmentação extrema da propriedade rústica e o progressivo abandono da atividade agrícola, tendência que se agravou entre 2019 e 2023 (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2024). Este abandono está certamente relacionado com a falta de um cadastro predial completo — um dos nossos grandes falhanços coletivos. Segundo o Balcão Único do Prédio (BUPi, 2024), até ao final de 2024, apenas cerca de 50% do território nacional tinha sido alvo de cadastro e registo atualizado. Não se consegue gerir um território cuja metade da sua extensão não tem dono devidamente identificado. Prova disso está no facto de Portugal ter registado mais de 440 mil hectares de área ardida entre 2017 e 2022 (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF], 2023). As florestas desordenadas e abandonadas continuam a servir de combustível para alimentar o ciclo de incêndios devastadores. Para responder a estes problemas, e após vários anos a convivermos com esta realidade, surge o programa “Certificados por Território”. O conceito é simples: os proprietários poderiam voluntariamente ceder os seus terrenos rústicos ao Estado e, em contrapartida, receberiam Certificados de Aforro — um instrumento de poupança pública, seguro e com rendimento garantido. Esta é uma solução composta por vários passos. O processo iniciar-se-ia com o registo obrigatório do terreno no Balcão Único do Prédio (BUPi), seguido da avaliação pela Autoridade Tributária. Para facilitar o registo e garantir menos conflitos posteriores (não esqueçamos a possibilidade de sobreposição de polígonos), seria importante envolver os técnicos de cadastro predial, designadamente os Solicitadores Portugueses, profissionais habilitados, conhecedores da componente jurídica e que, através da sua Ordem, deram um passo pioneiro nesta matéria com o lançamento da plataforma Geopredial. A sua colaboração (com forte representatividade no território) permitiria agilizar o processo de identificação e georreferenciação dos terrenos, garantindo maior fiabilidade e celeridade ao programa. Após aceitação do valor de avaliação, os proprietários celebrariam uma escritura pública de permuta, transformando património abandonado em poupança segura. O Estado, por seu lado, agregaria as parcelas adquiridas, promovendo o emparcelamento e criando unidades fundiárias com dimensão economicamente viável. Estas unidades poderiam depois ser vendidas ou concessionadas a jovens agricultores, cooperativas ou autarquias, ou, por outro lado, ser afetas a programas de reflorestação estratégica. No caso da opção pela reflorestação, esta privilegiaria as espécies autóctones, mais resilientes aos efeitos das alterações climáticas e ao risco de incêndio. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF, 2023) seria responsável pela plantação e certificação das novas florestas. Estas áreas reflorestadas permitiriam a obtenção de créditos de carbono no Mercado Voluntário de Carbono, cujas receitas resultantes da venda seriam reinvestidas na expansão do próprio programa. Uma das inovações desta proposta reside no envolvimento das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) e das Juntas de Freguesia como possíveis entidades gestoras das áreas reflorestadas. As Juntas, com profundo conhecimento do território e das comunidades locais, estariam bem posicionadas para assegurar uma gestão ativa e sustentável. Adicionalmente, estas entidades poderiam beneficiar de uma nova fonte de rendimento a longo prazo, através da participação nas receitas provenientes da venda de créditos de carbono. O programa “Certificados por Território” apresenta um conjunto abrangente de benefícios, nomeadamente: • Redução do minifúndio e do abandono da propriedade rústica; • Estímulo à atividade económica, agrícola e florestal; • Aumento da área de floresta autóctone e da biodiversidade; • Criação de novas fontes de receita para as freguesias rurais; • Contributo efetivo para o cumprimento das metas de neutralidade carbónica até 2050; • Promoção da literacia financeira e da poupança nacional. Ao articular recuperação fundiária, valorização ambiental e incentivo à poupança, esta proposta poderia transformar um problema estrutural numa oportunidade de desenvolvimento sustentável para Portugal. Está nas nossas mãos transformar o abandono em oportunidade, e garantir que o interior de Portugal tenha, também ele, um amanhã que cante.

"A intimidante combinação de palavras: Inovação Pedagógica", opinião de Joana Regadas
Opinião

"A intimidante combinação de palavras: Inovação Pedagógica", opinião de Joana Regadas

Lê-se num documento lançado pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES): “O crescente acesso de jovens ao Ensino Superior tem colocado problemas de desajustamentos no que concerne às tradicionais metodologias de ensino”. Este documento, datado de 2022, evidencia a necessidade de reformulação do papel do Ensino Superior, reforçando que “deverá voltar-se para o desenvolvimento de pessoas autónomas, dotadas de pensamento crítico e criativo”. No entanto, três anos depois, a combinação de palavras inovação pedagógica parece ainda intimidar muitos docentes e até mesmo estudantes. A realidade é que a Universidade de Aveiro se encontra na vanguarda de implementação destas novas metodologias de ensino e pedagogia, no entanto, esta não é transversal a todos os cursos lecionados, parecendo muitas vezes que somos, ao mesmo tempo, duas universidades em espaços temporais diferentes. Enquanto uns aprendem com metodologias deste século, têm salas idealizadas para estas novas metodologias e são parte ativa do seu processo de aprendizagem e avaliação, tantos outros continuam a aprender com aulas totalmente expositivas, com os mesmos slides de há 10 anos, em salas idealizadas para um ensino de 1973 e sem uma única oportunidade de escolherem como preferem aprender e como podem ser parte ativa da sua formação enquanto cidadãos. Muitas questões se levantam para estas diferenças dentro do mesmo ambiente de estudo. Porque é que nem todos os estudantes podem estar no centro do sistema de aprendizagem? O que impede a aplicação destas metodologias de uma forma transversal? Será relutância por parte do corpo docente, ou então os próprios estudantes estão intimidados com a carga horária adicional que estes novos métodos podem trazer? A verdade é que, atualmente, há um desencontro entre o que o estudante prefere e necessita e o que o sistema de ensino fornece, revelando-se urgente repensar o Ensino Superior, readaptar os currículos, formar o corpo docente, replicar os casos de sucesso - como “Do Marketing às Línguas: A arte da Escrita Criativa” e “ARTE: Aprendizagem Reflexiva através do Teatro para a Transformação Socio-Ecológica” - noutras áreas mais desafiantes e não ter receio das novas tecnologias. Apesar da inovação pedagógica parecer a solução para todos os males do Ensino Superior, é preciso não descurar o delicado equilíbrio que pode introduzir na carga horária. Se é exigido ao estudante que se envolva de forma mais ativa e que despenda de mais tempo para conseguir realizar toda esse trabalho prévio e autónomo, é também necessário que os currículos passem a ser pensados de forma que as unidades curriculares estejam interligadas e promovam a interdisciplinaridade, que acaba por ser a segunda palavra mais intimidadora de todo este processo. Para isso, todos os órgãos envolvidos na construção e avaliação de planos curriculares, como comissões de curso e conselho pedagógico, têm de ser uma parte ativa neste processo. A intimidante combinação de palavras, inovação pedagógica, tem de ser um caminho partilhado, e a inovação não pode partir apenas de um dos lados da sala de aula. Certo é que o caminho é longo e pelo meio surgirão sempre novas metodologias, mais informações, e a teia, já com muitos pontos ligados, torna-se cada vez mais preenchida. No entanto, é por esta mesma razão que é necessário sair do conforto da sala de aula tradicional e repensar o papel de professor e aluno, envolvendo todos na pergunta de milhões “Ǫual é o futuro da educação?”.

"O Estado falhou com a Ana Paula Santos. O Estado somos nós", opinião de Miguel Pedro Araújo
Opinião

"O Estado falhou com a Ana Paula Santos. O Estado somos nós", opinião de Miguel Pedro Araújo

O alarme (09/2024) e o despertar da comunidade (03/2025) foram despoletados pela decisão da autarquia de Loures em demolir as “autoconstruções” (o eufemismo atual para “barracas”), erguidas no bairro do Talude Militar, e pelo constante receio que as mulheres sentem pela possibilidade da retirada das crianças por falta de habitação e consequente institucionalização pelo Estado. O caso de Ana Paula Santos (espelho de centenas de outros casos semelhantes), mediatizado há dias, levou à mobilização da comunidade e de alguns movimentos coletivos. De forma resumida (o caso é público, ainda bem), Ana Paula Santos é uma mulher com 38 anos, natural de São-Tomé, principal núcleo de uma família monoparental, mãe de três filhas (4, 9 e 18 anos) que frequentam a escola, cuidadora de idosos, aufere o salário mínimo, é contributiva, mas sem qualquer apoio estatal. Ana Paula, que vive desde a demolição da sua “autoconstrução” em finais de 2024 numa pensão em situação precária, deu à luz, no dia 18, o pequeno Heitor sob a incerteza de poder ficar com o seu filho e de ter um lugar onde morar após a alta hospitalar. Todos estes pormenores não são, de todo, menores, mas antes ‘pormaiores’. Este caso apresenta-nos duas disfuncionalidades do Estado em matéria de Políticas Públicas em Habitação e Ação Social. Na Habitação, a revogação, por este último Governo, de um conjunto de medidas que estavam, há pouco mais de um ano, a ser implementadas sob a tutela da ex-ministra Marina Gonçalves (PS) afigura-se preocupante. Supostas políticas de benefícios dos (apenas alguns) jovens, o fim do congelamento das rendas (87 mil pessoas ficaram sem o apoio extraordinário à renda), a revogação do programa “Arrendar para Subarrendar” ou a nova lei do uso dos solos, para além de não estagnarem ou inverterem a crise habitacional, originaram a que, em apenas um ano de governação (2024-2025), o preço dos solos rústicos tivesse um aumento médio de 71% (fonte: imobiliária ERA) e o das habitações disparado 10,8%, no início de 2025 (comparando com janeiro de 2024, segundo o INE). Não há outro lado da realidade dura e crua. Ninguém constrói, por belo prazer, uma ‘barraca’ a não ser no limite do desespero e da ausência de qualquer alternativa ou apoio, preferindo, mesmo sem condições, quatro paredes e um teto a viver na rua. Ninguém constrói uma ‘barraca’ a não ser porque o Estado falhou na sua responsabilidade enquanto garante de um direito social fundamental e constitucional: uma casa. O mesmo Estado que, não cumprindo a sua função e missão, numa inqualificável incapacidade política de assumir a sua responsabilidade (como o demonstram as recentes afirmações deploráveis de Maria Palma Ramalho, ministra do Trabalho, que disse, publicamente, que a resposta à crise da habitação não é responsabilidade do Governo, mas sim das autarquias… e disse isto sem se ‘rir’), em vez de agir de forma a ser parte (e uma boa parte) da solução, é fator de incremento do problema. Em muitos casos num manifesto atropelo dos direitos e da lei, por exemplo, a Lei de Bases da Habitação que não permite que alguém seja desalojado sem que, antecipadamente, lhe seja garantida uma alternativa. Demolição por mera demolição gera nova ‘autoconstrução’… é da sobrevivência humana. E hoje assistimos, por exemplo na zona de Lisboa, a um preocupante retrocesso social e civilizacional até aos anos 80. Se por si só todos estes contornos são mais que esclarecedores sobre a forma como o Estado age (ou abstém-se de agir) em relação aos mais frágeis e às minorias, o recente relatório intercalar “Portugal, Balanço Social 2024” indica que cerca de 900 mil trabalhadores (8,9% da população), que auferem um rendimento mensal, encontram-se em situação de pobreza absoluta, muitos deles sem recursos para se poderem abrigar debaixo de um teto (13 mil pessoas viviam, em 2023, em situação de sem-abrigo)… ou que 1,3 milhões de portugueses não possuem recursos financeiros para pagar uma dieta adequada. Sendo que por “dieta adequada” entende-se uma despesa mínima em alimentação de 5,5 euros/dia. Mas as milhares de “Anas Paulas” que existem revelam outra falha do Estado: a das políticas públicas de intervenção social. Como se já não fosse, por si só, degradante, estigmatizante e cáustico ser-se pobre, a irresponsabilidade social do Estado, a sua ineficácia na implementação de políticas de coesão e providência social, a sua ação não é a da solução ou a da resposta. O Estado limitou-se, mal, a penalizar duplamente: por um lado falhou nas políticas de alavancagem social (onde se insere a habitação, o emprego e o salário ou os programas de apoio aos mais vulneráveis) e, por outro lado, age punitivamente sobre a própria coesão familiar e relação mãe-filha(o)s. Sendo que neste caso é, também (e muito), questionável a opção linear da retirada da criança do seio familiar a uma mãe que não maltrata os seus filhos, que os protege, que trabalha, mas que apenas não tem condições (porque a sociedade e o Estado não lhas proporcionam, por inércia e inação) para ter uma habitação digna. A própria Comissão Europeia, tal como lembrou há dias a economista Susana Peralta, em 2024 recomendava que a pobreza não devia ser motivo para que crianças fossem colocadas em cuidados alternativos. Isto porque a Comissão Europeia entende que cabe ao Estado promover políticas públicas e encontrar mecanismos que criem condições que evitem a separação familiar. Aliás, algo que a própria UNICEF sempre proclamou no superior interesse e direitos das crianças. Ao caso, tomemos o exemplo da medida governativa que determina que uma família de acolhimento possa receber o apoio até perto dos 800 euros (quase um salário mínimo) por criança acolhida. Excluindo, por agora, a discussão ética e moral sobre eventual mercantilização do processo de acolhimento, fica difícil perceber o porquê do Estado, perante o que é a realidade e o contexto do caso de Ana Paula, não apoiar a procura de uma habitação digna para esta família e subsidiar o arrendamento com este valor de “acolhimento”. O valor que, provavelmente, entregaria, caso o pequeno Heitor (ou as outras 3 filhas de Ana Paula) fossem institucionalizadas (e só neste processo a despesa pública seria mais elevada) e resultasse um processo de acolhimento por outra família. É óbvio que esta análise é a vertente economicista de uma Política Pública. A realidade é que, em muitas circunstâncias, e nesta em particular, mesmo uma Política Pública é muito mais do que uma despesa pública ou um mero subsídio financeiro. São vidas, afetos, relações familiares e sociais, crescimento humano e o fortalecimento de uma sociedade que se pretende coesa, inclusiva, justa e humanitária. E isso, cabe-nos, também, a nós todos.

"De Indecentes e más figuras, está o povo cansado!", opinião de Marcos Sousa
Opinião

"De Indecentes e más figuras, está o povo cansado!", opinião de Marcos Sousa

Dia 11 de março de 2025 - e volvido pouco mais de um ano de os portugueses terem dado à Aliança Democrática (AD) uma vitória magra nas últimas eleições legislativas - o Governo caiu, após o chumbo da moção de confiança apresentada pelo próprio. Quanto à moção de confiança, já lá vamos, uma vez que considero pertinente fazer um resumo daquilo que provocou a crise política que estamos a viver. A SpinumViva, fundada em 2021, foi apresentada, primeiramente, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, à época afastado da vida política, como uma empresa familiar constituída para gerir o património da sua família. Contudo, Luís Montenegro voltaria à vida política ativa, ao assumir a liderança do PSD em 2022 e, por conseguinte, transferiu as participações que detinha na SpinumViva para a sua esposa e para os seus filhos, contudo, como é casado em regime de comunhão geral de bens, as participações que havia transferido para a sua esposa continuavam, legalmente, a ser suas. O cenário ficou ainda mais problemático quando a Solverde anunciou que pagava uma avença mensal, de 4.500 euros, à empresa da família do primeiro-ministro. É prudente lembrar que Luís Montenegro já havia prestado serviços à Solverde, relacionados com a assessoria na negociação com o Estado, para a prorrogação da concessão dos casinos de Espinho e do Algarve ao grupo, até dezembro deste ano. Após outras empresas anunciarem que tinham contratos com a SpinumViva, CHEGA e PCP apresentaram moções de censura ao governo, sendo ambas rejeitadas na Assembleia da República. Contudo, no debate da moção de censura apresentada pelo PCP, Luís Montenegro, que já havia anunciado essa intenção numa declaração ao país, revelou que os partidos da oposição deveriam clarificar se existiam ou não condições para o Governo prosseguir com o cumprimento do seu programa sendo que, se essa clarificação não surgisse, o governo apresentaria uma moção de confiança. Foi agendado esse debate e, consequentemente, a votação que originou o chumbo já referido. Como seria de esperar o ambiente do debate foi escaldante, havendo troca de acusações entre o Governo e os vários partidos de oposição, em especial com o PS. Perto do fim do debate, Hugo Soares, líder da bancada parlamentar do PSD, afirmou que o Governo havia tentado de tudo para não levar o país a novas eleições, após o deputado ter sugerido a votação de um requerimento para a pausa nos trabalhos de 30 minutos, com o objetivo de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos poderem discutir uma solução, algo que o PS rejeitou, alegando que, num debate desta importância, todos os esclarecimentos deveriam ser dados aos portugueses no hemiciclo. Depois, Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares sugeriu que a CPI avançasse e que, em 15 dias se obtivessem as conclusões necessárias, algo que o Partido Socialista rejeitou, uma vez que as Comissões Parlamentares de Inquérito tendem a durar, no mínimo, 90 dias, podendo muitas delas ser prolongadas para 120 dias ou até mais. E, finalmente, após a intervenção de encerramento de Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças, e quando a votação se iria iniciar, o CDS-PP interpôs, potestivamente, um requerimento que levou o Presidente da Assembleia da República a interromper os trabalhos durante uma hora. Passando agora, à opinião propriamente dita, eu gostaria de começar por uma citação: "Indecente e má figura", foi a expressão que Luís Montenegro usou no 41° Congresso do PSD, realizado em Almada, para se referir à forma como o Governo de António Costa "caiu". Volvidos aproximadamente dois anos, eis que lhe bate à porta uma situação absolutamente confrangedora relacionada à já referida empresa familiar, SpinumViva, cuja sede se encontrava, até à bem pouco tempo, em sua casa. Não sendo jurista, não pretendo comentar a situação do ponto de vista jurídico, pois não possuo conhecimento para tal, contudo não posso deixar de tirar algumas conclusões após todo este processo. Ao longo deste tempo, Luís Montenegro, o seu Governo e as bancadas parlamentares que o sustentam apresentaram uma postura sobranceira, arrogante e, no debate de ontem, tentaram manobrar o desconhecimento que a maioria dos portugueses tem sobre as regras do Regimento da Assembleia da República para mostrar uma aparente predisposição para negociar com a oposição. É possível pensar que o povo, já farto de eleições, irá responsabilizar nas urnas o/os partido/s que pensem ter provocado uma nova crise política, contudo não posso deixar de acreditar que o senhor primeiro-ministro se pôs a jeito, na medida em que os esclarecimentos que tem prestado não têm sido suficientes, deixando o ónus de uma eventual crise política para os partidos políticos da oposição representados na Assembleia da República. Todo este taticismo político que tem sido aplicado ao longo deste processo não faz bem à democracia, esta atitude prepotente e irresponsável do primeiro-ministro português não faz bem à democracia, até o simples facto de Luís Montenegro não admitir qualquer problema ético relacionado à sua conduta deve ser encarado com um problema. Não é normal que uma empresa de um primeiro-ministro receba avenças de uma outra empresa, sobretudo quando se trata de uma empresa que precisa do Estado para garantir grande parte do seu volume de negócios. Dito isto, impõe-se uma reflexão: Luís Montenegro e o seu Governo insistem em propagar a ideia de que tudo isto não passa de uma tentativa da oposição de desestabilizar o país, de criar artificialmente uma crise política. Contudo, é inegável que quem se colocou nesta posição foi o próprio primeiro-ministro, uma vez que, desde o início deste caso, a estratégia governativa tem sido a da fuga para a frente, com respostas pouco convincentes, silêncio e um desrespeito flagrante pelas mais elementares regras de transparência e ética política. Acusar o Partido Socialista de ser um fator de instabilidade no país é anedótico, uma vez que tudo fez para suportar este Governo, viabilizando o Programa de Governo, o primeiro Orçamento de Estado e chumbando duas moções de censura. Contudo, não é possível suportar quem se quer deixar cair ao apresentar uma moção de confiança que já tinha chumbo garantido. Termino, dizendo que o verdadeiro “adulto na sala” foi o Partido Socialista que sempre defendeu a necessidade de estabilidade para governar, mas sem permitir que essa estabilidade sirva de escudo para ocultar práticas que fragilizam a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. O que está aqui em causa não é apenas uma eventual questão de legalidade – é uma questão de credibilidade, de respeito pelo interesse público e de compromisso com um exercício digno e íntegro do poder e nisso, este governo falhou.

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Exposição em Águeda explora a arte urbana no universo digital
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Exposição em Águeda explora a arte urbana no universo digital

Com curadoria da Ephemeral Ethernal (fundada pelo artista Vhils) a exposição desafia o público, através de instalações imersivas, realidade aumentada, realidade virtual e tecnologia ‘blockchain’, a questionar “o que permanece ‘público’ e ‘autêntico’, numa era em que os muros se estendem para além das ruas e entram no domínio digital”. Em comunicado, a organização destacou que o primeiro espaço da exposição é dedicado ao “mundo das redes sociais enquanto novo espaço público”. “Plataformas como o Instagram e o TikTok são as novas ágoras, onde qualquer pessoa pode interagir com arte, expressar opiniões e participar no diálogo público. Aqui, a arte urbana encontra uma nova visibilidade - não estando restringida aos espaços físicos, alcança uma audiência digital e global. Questionamos: de que forma é que os espaços digitais reformulam a nossa experiência com a arte?”, pode ler-se no comunicado sobre a mostra. De seguida, a mostra vai permitir “descobrir de que forma as novas ferramentas estão a expandir as possibilidades criativas”, enquanto a parte final da exposição pretende “explorar a mutação da noção de propriedade na arte urbana”, referindo-se aos NFT e à tecnologia ‘blockchain’. Patente até 13 de julho, no espaço expositivo do Centro de Artes de Águeda, e com entrada livre, “ADN Digital” conta com a participação dos artistas ±MaisMenos±, AKACORLEONE, Alexandre Farto aka Vhils, Halfstudio, Pedrita, PichiAvo, Tamara Alves, AddFuel, Wasted Rita e Kampus.

FNAM preocupada com falta de médicos na obstetrícia do Hospital da Feira
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A medida foi identificada à Lusa por Joana Bordalo Sá, presidente da federação, após uma reunião com médicos de várias especialidades da Unidade Local de Saúde do Entre Douro e Vouga (ULS EDV) – que, a partir da Feira, gere ainda três outros três hospitais no distrito de Aveiro, em concreto os de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Ovar. “Na área materno-infantil, na obstetrícia, as equipas trabalham de forma extremamente reduzida. Têm dois médicos do quadro e um interno (que é um médico em formação), sendo que, à noite, às vezes não está de serviço nenhum médico do quadro e só há prestadores de serviço, com o interno, que assim nem está a ser tutelado como devia”, declarou. Joana Bordalo Sá mostrou-se preocupada com a componente médica devido a “equipas que estão a funcionar nos mínimos” e nas quais há profissionais “bastante cansados”, e mostrou-se apreensiva também quanto às utentes desse serviço, dado “o risco que esta situação pode representar para as grávidas e os seus bebés”. A presidente da FNAM admitiu que a falta de recursos humanos afeta igualmente outras valências da ULS EDV, “como a de pneumologia”, mas defendeu que a prioridade é o serviço materno-infantil, onde “o problema não pode mesmo ser ignorado”. Na mesma reunião com os médicos do Hospital São Sebastião foi ainda abordado o contexto do corte nacional de eletricidade verificado a 28 de abril, quando essa unidade manteve um funcionamento próximo do normal graças a geradores de energia. Nesse caso, o balanço da FNAM é positivo, mas motiva uma avaliação ao desempenho da tutela. “No apagão foi tudo assegurado, muito graças aos médicos e profissionais de saúde de cada unidade, que vestem a camisola do hospital, e isso é de enaltecer”, realçou Joana Bordalo Sá. Mas, disse, “é necessário que este esforço também seja reconhecido pela administração central, inclusivamente pela ministra [da Saúde] Ana Paula Martins, que até aqui não fez nada para fixar mais médicos no Serviço Nacional de Saúde”, concluiu.

Carlos Azevedo será o novo juiz presidente da Comarca de Aveiro a partir de setembro
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Carlos Azevedo será o novo juiz presidente da Comarca de Aveiro a partir de setembro

As nomeações foram decididas em plenário do CSM, a 06 de maio, que decidiu ainda que na comarca de Bragança a presidência será assegurada em regime de acumulação de funções pela juíza presidente da comarca de Vila Real, algo possível para comarcas de menor dimensão, depois de não terem sido encontrados candidatos com todos os requisitos exigidos. Para as cinco comarcas com novos presidentes “foi deliberado prorrogar as comissões de serviço dos atuais juízes presidentes até 31 de agosto de 2025, de forma a assegurar a transição de funções”, sendo que “as novas nomeações produzem efeitos a partir de 1 de setembro de 2025”. As escolhas tiveram em conta os currículos dos candidatos e a auscultação dos juízes das respetivas comarcas, esclareceu o CSM. Em Aveiro a comarca vai ser presidida pelo juiz de direito Carlos Azevedo, magistrado desde julho de 1999, estando colocado desde 2017 em Santa Maria da Feira, onde coordenou unidades de instância central e local.

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UA vai ter eleições disputadas: movimento ‘UA50’ apresenta candidatura ao Conselho Geral

A candidatura surge num contexto de renovação do Conselho Geral da UA, um órgão determinante na definição das políticas estratégicas da universidade, que, entre outras funções, será responsável pela eleição do próximo reitor. As eleições do Conselho Geral estão marcadas para o próximo dia 3 de junho de 2025. O movimento, que se afirma totalmente independente e plural, destaca a importância de fortalecer a representatividade e garantir que todas as vozes sejam ouvidas no contexto universitário. No manifesto apresentado, considera que “nos últimos anos” se tem observado “uma desmotivação generalizada e enfraquecimento da participação da comunidade da UA nas decisões que são tomadas, uma diminuição na transparência na gestão da UA, e uma postura de distanciamento e pouca empatia com as pessoas”. Como princípios da candidatura o movimento 'UA50' destaca a defesa da realização de eleições diretas para todos os órgãos de gestão unipessoais, incluindo o reitor, assim que legalmente possível: o aumento da transparência na gestão universitária, promovendo o acesso à informação e o diálogo com a comunidade; o reforço do papel fiscalizador do Conselho Geral, garantindo um órgão forte, plural e independente; a valorização da diversidade e representatividade científica e cultural dentro da universidade ; o empoderamento das pessoas e reforço do sentimento de pertença à UA, promovendo condições dignas para a progressão nas carreiras académicas; a afirmação da UA na sociedade através da educação, cultura e artes, promovendo uma universidade dinâmica e inovadora; a melhoria da qualidade de vida nos campi, através de parcerias que garantam melhores infraestruturas e serviços; e a promoção da inovação e excelência científica, maximizando oportunidades para investigadores e combatendo a precariedade laboral. A eleição do Conselho Geral da UA será decisiva para a definição do futuro da instituição, especialmente num momento de transição marcado pelo fim do mandato do atual reitor, Paulo Jorge Ferreira. Na lista de candidatos apresentada pelo movimento ‘UA50’ verifica-se a continuidade de alguns docentes e investigadores que já tinham participado num movimento de oposição nas últimas eleições de 2021, como são exemplos Rui Aguiar (DETI), Artur Alves (Biologia), Roberto Martins (Biologia) e Manuel Coimbra (Química). Todos eles já tinham integrado o movimento “Melhor UA: Projetar os próximos 50 anos” nas eleições para o Conselho Geral da UA em 2021. É previsível que durante a próxima semana a Comissão Eleitoral anuncie as listas oficialmente aceites, sendo que nos próximos dias decorre o período de correções e reclamações. Circunscrição A - Engenharia • Rui Luís Andrade Aguiar (mandatário) – Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática • Diogo Nuno Pereira Gomes – Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática • Cristina Sofia dos Santos Neves – Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica • Eloísa Catarina Monteiro de Figueiredo Amaral e Macedo – Departamento de Engenharia Mecânica • Pedro Renato Tavares de Pinho – Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática Circunscrição B – Ciências • Manuel António Coimbra Rodrigues da Silva (mandatário) – Departamento de Química • Roberto Carlos Domingues Martins – Departamento de Biologia • Elisabete Verde Martins Coelho – Departamento de Química • Carlos Alberto Ferreira Marques – Departamento de Física • Enide Cascais Silva Andrade – Departamento de Matemática • Slavka Carvalho Andrejkovicová – Departamento de Geociências • Sílvia Luísa Soreto Teixeira – Departamento de Física • Ricardo Miguel Moreira de Almeida – Departamento de Matemática • Artur Jorge da Costa Peixoto Alves – Departamento de Biologia Circunscrição C - Ciências Sociais, Artes e Humanidades • Armando Domingos Batista Machado (mandatário) – Departamento de Educação e Psicologia • Ana Filipa Fernandes Aguiar Brandão – Departamento de Economia, Gestão, Eng.ª Industrial e Turismo • Armando Domingos Batista Machado – Departamento de Educação e Psicologia • Pedro Miguel dos Santos Beça Pereira – Departamento de Comunicação e Arte • Joana Maria Costa Martins das Dores – Departamento de Economia, Gestão, Eng.ª Industrial e Turismo Circunscrição D - Politécnico • Valter Castelão da Silva (mandatário) – Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (ESTGA) • Ana Miriam Duarte Reis da Silva – Escola Superior de Design, Gestão e Tecnologias da Produção de Aveiro-Norte (ESAN) • Joaquim José de Castro Ferreira – Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (ESTGA) • Sandra Sarabando Filipe – Instituto Superior de Contabilidade e Administração da Universidade de Aveiro (ISCA-UA) • Luís Nuno Sancho Ribeiro – Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA)