RÁDIO UNIVERSITÁRIA DE AVEIRO

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"Incêndios em Portugal: Uma Calamidade de Gestão e Planeamento", opinião de João Lourenço Marques

João Lourenço Marques é professor associado com agregação e diretor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território, da Universidade de Aveiro, lecionando nas áreas de Planeamento Regional Urbano e Políticas Públicas (nos domínios dos métodos e técnicas de apoio à tomada de decisão). É doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Aveiro e foi investigador visitante nas universidades de St. Andrews, de Dundee e de Heriot-Watt (Edimburgo).

"Incêndios em Portugal: Uma Calamidade de Gestão e Planeamento", opinião de João Lourenço Marques
João Lourenço Marques

João Lourenço Marques

Opinião
18 set 2024, 08:32

Portugal é devastado por incêndios florestais que deixam um rastro de destruição ambiental e económica. Mas o que realmente está por trás desta calamidade, que se repete ano após ano?

A ausência de planeamento florestal representa um grande obstáculo à gestão eficaz das áreas florestais. A estrutura fundiária, com predominância de pequenas parcelas de terreno, em regime de minifúndio (essencialmente no centro e norte do país), combinada com a falta de um cadastro predial atualizado (apenas 30% da área está identificada - ver plataforma Balcão Único do Prédio - BUPi ), dificulta a implementação de estratégias integradas para a gestão territorial. Esta fragmentação e a ausência de informação sobre quem são os proprietários dos terrenos florestais, compromete tanto as ações de prevenção de incêndios, como o aproveitamento económico sustentável dos recursos. A falta de responsabilização direta e de incentivos para uma gestão adequada acaba por perpetuar situações de abandono e negligência, aumentando a vulnerabilidade das áreas rurais aos incêndios. O acumular de material combustível, aliado à falta de manutenção dos terrenos, agrava a exposição do território ao risco de incêndios devastadores.

Mitigar o problema dos incêndios em Portugal exige mais do que medidas de prevenção imediata. É necessária uma estratégia de médio e longo prazo que inclua um ordenamento florestal adequado, a identificação e reestruturação do cadastro e a promoção de práticas de gestão sustentáveis.Essas práticas devem dar prioridade à diversidade de espécies. Grande parte da nossa vegetação é composta por espécies com elevada inflamabilidade, que, apesar da sua rentabilidade para a indústria de papel, contribuem para o elevado risco de incêndios. A formação de vastas áreas de monocultura, atuam como verdadeiras "bombas-relógio", prontas a explodir quando o "tempo" marca a combinação perfeita – muito vento, calor e baixa humidade.

O problema dos incêndios florestais em Portugal não é apenas uma questão de condições atmosféricas adversas, é um problema de planeamento e gestão, que exige respostas devidamente concertadas.

Os incêndios florestais afetam diretamente a biodiversidade. Ecossistemas inteiros são destruídos, levando à perda de habitats para inúmeras espécies de fauna e flora. Esta perda de biodiversidade tem efeitos em cadeia que comprometem o equilíbrio ecológico e a capacidade dos ecossistemas se regenerarem naturalmente, o que exige uma atenção redobrada por parte das políticas públicas na recuperação das áreas afetadas. A reabilitação das florestas e dos solos após os incêndios é um processo que exige tempo e investimento, mas que também nem sempre recebe a devida atenção. O planeamento deve incluir programas de reflorestação com espécies autóctones, assegurando a restituição de ecossistemas e a proteção das áreas florestais contra futuros eventos.

Apesar dos esforços legislativos e das campanhas de sensibilização, continua a faltar uma estratégia integrada de ordenamento florestal que envolva governos, autarquias, proprietários e empresas e, assim, almejar ser possível reduzir a vulnerabilidade do país e evitar a repetição deste ciclo destrutivo de incêndios florestais.

Sem uma mudança profunda no planeamento e gestão florestal, Portugal continuará a arder, com o futuro das nossas florestas, biodiversidade e comunidades a serem consumidos pelo fogo e pela inação.

Recomendações

"Porquê orgulho? Porque ainda não é seguro viver sem medo", opinião de Hugo Filipe Nunes
Opinião

"Porquê orgulho? Porque ainda não é seguro viver sem medo", opinião de Hugo Filipe Nunes

Junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+. É um mês de visibilidade, de luta, de memória e de celebração. Mas, ano após ano, há quem insista em perguntar: “E o orgulho hetero, quando é?” Como se fosse comparável. Como se a história fosse igual para todas as pessoas. Como se o orgulho de quem foi silenciado, perseguido, ridicularizado ou agredido fosse um capricho — e não um ato de resistência. É importante dizer o óbvio: ninguém precisa de um “orgulho hetero” porque ninguém foi jamais espancado por ser heterossexual. Ninguém perdeu o emprego, foi expulso de casa ou ameaçado na rua por andar de mão dada com alguém do sexo oposto. Ninguém se viu forçado a esconder quem é — para sobreviver. O orgulho LGBTQIA+ não nasce da arrogância. Nasce da dor e da recusa da vergonha. É o contrário da superioridade; é uma resposta à humilhação imposta. Estamos em 2025. Portugal é, em muitos aspetos, um país progressista. Temos casamento igualitário, possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, reconhecimento legal da identidade de género, e algumas proteções anti-discriminação. Mas quem acha que “está tudo resolvido” vive numa bolha. As agressões homofóbicas continuam a acontecer. O bullying nas escolas é uma realidade. O acesso a cuidados de saúde competentes e respeitadores da identidade de género continua desigual. E há cada vez mais discursos públicos que ridicularizam ou atacam os direitos conquistados. Este ano, o mês do Orgulho acontece num contexto político particularmente preocupante. Com a extrema-direita a almejar cada vez mais poder, os direitos das pessoas LGBTQIA+ voltaram a ser alvo. Com linguagem disfarçada de “liberdade de expressão” ou “defesa da família”, o que se vê é o retorno de preconceitos já combatidos: a ideia de que somos uma ameaça à infância, de que devemo-nos “manter discretos”, de que exigir respeito é impor uma “agenda”. É neste contexto que surgem também os ataques ao chamado “wokismo”. A palavra “woke”, que começou por significar consciência social e atenção às injustiças, foi capturada e transformada num insulto. Sempre que alguém se indigna com o racismo, com a homofobia, com o sexismo ou com a desigualdade, é imediatamente apelidado de “woke”. Como se lutar por direitos fosse uma moda. Como se combater a exclusão fosse uma fraqueza. É uma estratégia velha: gozar com a linguagem para deslegitimar a causa. Mas as causas permanecem. E são justas. Não é coincidência que, em todos os países onde a extrema-direita governa ou tem alta influencia, os direitos LGBTQIA+ estejam entre os primeiros a serem atacados. A lógica é simples: criar inimigos internos, dividir a sociedade, impor uma moral única. Em nome da tradição, retiram-se direitos. Em nome da ordem, persegue-se a diferença. Mas a resposta a este avanço não pode ser o silêncio. Não podemos baixar os braços, nem tratar a igualdade como garantida. O Orgulho existe precisamente porque o perigo ainda existe. Porque, mesmo com avanços legislativos, o preconceito não desapareceu. Porque cada gesto público de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo ainda é, muitas vezes, um ato corajoso. Porque os adolescentes LGBTQIA+ continuam a crescer com medo, sem referências, sem apoio. Enquanto existir medo, vergonha, discriminação ou violência, o orgulho é necessário. Não é provocação; é defesa. Não é espetáculo; é sobrevivência. É dizer “estamos aqui” num mundo que tantas vezes nos quis apagar. E sim, este combate é político. Porque a liberdade e a igualdade não se defendem apenas com boas intenções. Exigem leis, políticas públicas, financiamento a organizações de apoio, campanhas de sensibilização. Exigem coragem de quem governa e de quem representa, mesmo em assembleias de freguesia. Neste junho, que ninguém se cale. Que se pinte, que se dance, que se ocupe o espaço público, que se abracem causas e pessoas. Porque o orgulho não é só de quem é LGBTQIA+. É de todas e todos os que acreditam que ninguém deve ser tratado como cidadão de segunda. Se ser woke é defender quem sempre foi silenciado, então que nunca me falte orgulho de o ser.

"Mudar o Paradigma de Gestão e de Governança da UA", opinião de Filipa Brandão
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"Mudar o Paradigma de Gestão e de Governança da UA", opinião de Filipa Brandão

Mudar o Paradigma de Gestão e de Governança da UA: Um Apelo à Liderança Participativa e à Cocriação de Soluções para o Futuro de Todos Ao celebrar mais de cinco décadas de história, a Universidade de Aveiro encontra-se num momento decisivo. Os desafios que hoje se colocam ao Ensino Superior, as restrições orçamentais, o necessário impacto social do ensino e da investigação, a sobrecarga de trabalho e em muitos casos de burnout dos seus recursos humanos, exigem uma profunda reavaliação dos modelos de liderança e gestão das Instituições de Ensino Superior. Urge transitar de modelos tradicionais de “governo” para abordagens de “governança” bottom-up, que se apoiem no ‘chão da universidade’. No centro desta transformação devem estar lideranças democráticas e transformativas assentes numa participação efetiva de Todos! O Conselho Geral da Universidade deve tornar-se o motor desta mudança. Defendemos um Conselho Geral que promova a eleição direta de todos os órgãos unipessoais, logo que legalmente possível. Que exija audições públicas abertas a toda a comunidade dos candidatos a reitor, o escrutínio aberto dos seus programas, o que é o oposto da atual situação de ‘conclave’ que reina no Conselho Geral. Defendemos um Conselho que envolva diretamente todos os segmentos da comunidade universitária, académicos e não académicos, em início de carreira e seniores, com contratos permanentes ou precários. A representação não pode ser simbólica e de cortesia para com as reitorias. O Conselho Geral deve ser a voz da comunidade e atuar como órgão de fiscalização dos órgãos da universidade: deve ser ativo, dinâmico e consequente. A governança participativa, de base, não é um ideal utópico. É uma exigência democrática. No contexto universitário, significa envolver ativamente quem trabalha e estuda na instituição na definição da sua direção, prioridades e cultura. É um modelo que reconhece os saberes diversos, as experiências vividas e as perspetivas críticas de quem está no terreno. Legitimar a governança bottom-up implica saber-se ser inclusivo e saber-se dialogar. A universidade deve refletir a inteligência coletiva da sua comunidade, o que requer dar poder de participação e decisão a Todos e não apenas às elites dos órgãos eleitos ou designados. Saber-se delegar - e não centralizar funções e decisões - é um ato de gestão inteligente. A governança participativa deve ir além da retórica. Deve estar presente nas estruturas e práticas institucionais do dia a dia. O Conselho Geral tem um potencial único para cumprir esse papel, não como mero validador das atividades do reitor, mas como espaço independente, inclusivo e construtivo de reflexão estratégica, debate e responsabilização. Para isso, precisamos de um Conselho Geral que escute, questione e proponha, que funcione como consciência coletiva da instituição. Esta visão exige uma transformação na cultura institucional. Reconstruir a confiança na governança universitária significa empoderar as pessoas. Significa garantir que docentes sobrecarregados com horas letivas excessivas, investigadores em situação de instabilidade e estudantes que procuram uma formação com sentido sintam que a sua voz conta. Governança não é controlo, é corresponsabilização. E só com corresponsabilidade poderemos construir uma universidade resiliente, inclusiva e preparada para os próximos 50 anos. Escolhamos o diálogo e a empatia com as pessoas, em vez da distância e da voz de comando, a transparência em vez da opacidade, a coragem em vez da gestão do dia a dia. Vamos co-construir a Universidade de Aveiro do futuro, em conjunto. Não para alguns, mas para todos!

“O que se segue depois do desastre eleitoral?”, opinião de Bruno Vilhena
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“O que se segue depois do desastre eleitoral?”, opinião de Bruno Vilhena

No passado dia 18 de maio, o Partido Socialista (PS) sofreu um desastre. Com toda a certeza, contados os votos da emigração, será a terceira força política na Assembleia da República durante a próxima legislatura. Tendo em conta estes dados, mantive, durante estes dias, um silêncio propositado. Preferi esperar uns dias até organizar bem os meus pensamentos, ouvir e ler o que se foi escrevendo, ter algum tempo para ter opinião e para poder mudar de opinião. Passada uma semana e já com a certeza das diretas para o final de junho – com as quais eu concordo, porque o partido não pode ficar preso a uma liderança interina e sem a legitimidade da militância – é agora tempo de olhar para a frente. O slogan “O Futuro É Já”, ao dia de hoje, quase que parece premonitório. O futuro do PS tem mesmo de ser já. A profunda reflexão que o partido precisa de fazer depois destes resultados não pode significar um partido “fechado para balanço” durante tempo indeterminado. Tem de ser feita e conjugada com a ação concreta no dia a dia da política nacional. O período até às diretas, e das diretas até ao Congresso Nacional, mesmo com as autárquicas pelo meio, deve ser um período para trabalho e discussão aberta e franca sobre o PS que queremos. Existem certamente muitos motivos que levaram o Partido Socialista a ter o resultado desastroso que teve. Assinalarei aqui apenas dois, que são os que me parecem ter tido mais peso na formulação do sentido de voto dos portugueses. O PS não conseguiu reganhar a confiança dos cidadãos eleitores para voltarem a votar nele. Em primeiro, quando apenas pouco mais de um ano passou desde as últimas legislativas e os portugueses consideraram que o governo em funções da AD ainda não teve tempo suficiente para demonstrar a sua incompetência – apesar dos sinais que já existem: um SNS pior hoje do que há um ano, uma economia a descrescer no primeiro trimestre deste ano, o preço da habitação que não parou de aumentar com políticas e medidas desastrosas apenas do lado da procura – e, talvez mais importante; Em segundo, os portugueses continuam a responsabilizar o Partido Socialista – e não estão completamente errados – pelo estado e dimensão a que chegaram os principais problemas que o país enfrenta, sejam eles o estado do SNS, a crise na habitação, ou o estado da imigração. E, por isso, naturalmente, fizeram o juízo de que não voltariam a eleger quem consideram que também esteve na origem do problema. A verdade é que, após a estabilização da economia e o alcance do rigor orçamental com crescimento económico que o PS conseguiu – e conseguiu provar que a esquerda é capaz disso – nos seus primeiros anos de governação pós-2015, perdeu-se uma oportunidade histórica para reformar o país e, em consequência, o nosso tecido produtivo. Não por falta de soluções ou de bases lançadas, que as foram: na habitação, na saúde, nos transportes; mas por um sentimento – tão nosso, aliás – de que não é preciso ter pressa, que vamos com calma, vamos gerindo. Errámos. Os problemas agravaram-se e as pessoas responsabilizaram-nos e continuaram a fazê-lo. Esse é o tipo de eleitorado que só se recupera com tempo e seriedade, e não em clima de instabilidade. Nesse aspeto, Pedro Nuno Santos não teve sorte. Eleito secretário-geral em circunstâncias muito difíceis, lidou logo com umas eleições antecipadas, seguidas de umas europeias complicadas. Nem um ano depois, umas novas legislativas antecipadas e, tudo isto, em pouco mais de um ano de liderança do partido. Teve o sentido de Estado que devia no momento em que o país vivia, viabilizando um Governo e um Orçamento do Estado com os quais não concordava e chumbando moções de censura a esse Governo com o qual não concordava. Furtou-se sempre, e bem, à tática política e acabou por ser essa rejeição da tática, aliada a um Governo que criou todas as crises que podia para entalar o maior partido da oposição, que ajudou a provocar eleições e não deu ao PS o tempo suficiente para se renovar e se reapresentar como uma alternativa de governo. Nesse aspeto, foi difícil fazer melhor, e teria sido sempre mais fácil dobrar a espinha e dar o dito por não dito, conservando o Governo. Quanto ao futuro da liderança do partido, que já parece mais ou menos resolvido, há pouco mais de um ano subscrevi e propus a candidatura de Pedro Nuno Santos a secretário-geral do PS, fiz campanha por ele, votei nele, fui delegado ao Congresso do PS numa lista adstrita à sua candidatura. Acho que o PS tem de estar mais próximo da social-democracia – forte defensora do Estado Social e do papel do Estado para a resolução das crises que vivemos, e até de uma raiz mais trabalhista e virada para o mundo trabalho – do que de um centrismo iluminado que deixa ao mercado a resolução de tudo e usa a “esquerda” meramente como um token para sinalização de virtude. Sei que, por motivos históricos, até, a base eleitoral do PS sempre foi mais burguesa do que operária, mas primeiro perdemos os burgueses e agora até os operários. Não foi pelas circunstâncias terem mudado que estes meus princípios também mudaram e é isso que continuarei a defender como a melhor resposta para o país. Os tempos que se vão seguir serão sempre terríveis para o PS tendo em conta que hoje lidamos com uma extrema-direita parlamentar perfeitamente estabelecida. Aí, o PS não pode cometer o erro de querer lutar para liderar a oposição. O PS tem de lutar para liderar o país. Para isso, não só tem de ter uma alternativa de governo bem preparada, mas tem de estar no terreno. As alternativas não se constroem fechadas numa sala, os nossos autarcas e candidatos autárquicos, que dentro de meses vão a jogo por todo o país, sabem isso melhor do que ninguém. O PS tem de sentir os problemas dos portugueses e assumi-los como seus e deixar de falar para nichos que se vão encolhendo à medida que o tempo passa. O PS tem de voltar a ter um projeto aspiracional para o país em que os portugueses se revejam e não uma lista de compras e de medidas para nichos. Caso não o façamos, estas eleições já provaram mais uma vez que quem absorve o descontentamento não correspondido não é o PS. Uma última nota sobre o voto jovem. Já há dois atos eleitorais que o PS não conquista mais de 20% dos votos nos eleitores entre os 18 e os 34 anos. Existem vários motivos para isso, como o facto de uma geração de novos votantes ter crescido e ganhado consciência política durante um longo período de governação do Partido Socialista, em que associam com naturalidade os problemas do país a quem o governou durante esse período. Mas a minha pergunta é: esta tendência não é nova, o que tem feito e para que tem servido a Juventude Socialista?

"Depois das eleições: a esquerda combativa continua a fazer falta", opinião de Hugo Filipe Nunes
Opinião

"Depois das eleições: a esquerda combativa continua a fazer falta", opinião de Hugo Filipe Nunes

As eleições legislativas do passado 18 de maio deixaram um país politicamente mais à direita. A AD venceu com folga, o Chega obteve um resultado bastante expressivo e, do lado da esquerda, muitos ficaram com uma sensação de travessia no deserto. O Bloco de Esquerda perdeu representação parlamentar e, na verdade, em todo o país houve uma retração da força política transformadora da esquerda. Em Aveiro — tanto no distrito como no concelho —, e também em Esgueira, os resultados foram igualmente desanimadores. Aqui na freguesia, o Bloco ficou pelos 2,37%, e quase um quarto das pessoas votou num partido de extrema-direita. Tendo participado várias vezes como membro substituto na Assembleia de Freguesia de Esgueira, esses números preocupam-me profundamente. Mas, como cidadão, preocupam-me ainda mais. São reflexo de um descontentamento social real que a direita populista conseguiu explorar, muitas vezes sem apresentar soluções concretas, baseando-se apenas em discursos fáceis e oportunísticos. Não me iludo: o desfecho destas eleições é um sinal claro de que temos muito trabalho pela frente. Ainda assim, não desisto. Não é a primeira vez que lutamos em minoria. É o nosso pior resultado? É! Mas sei bem que a força das ideias não se mede apenas pelo número de cadeiras no Parlamento. Também me preocupa o momento difícil que, internamente, o próprio Bloco de Esquerda atravessa, com críticas públicas à direção e o adiamento da convenção nacional — uma decisão que, mesmo compreensível num ano em que ainda vamos ter eleições autárquicas, não deixa de acentuar a sensação de impasse. Continuo a acreditar — com a mesma firmeza — que a justiça social, a defesa dos serviços públicos, o combate às alterações climáticas e a luta contra todas as formas de discriminação são causas que valem a pena. E que continuam a precisar de vozes, de corpos e de ação política. A democracia não é só votar de quatro em quatro anos. É intervir todos os dias, especialmente aqui, onde vivemos. É também nas pequenas decisões — sobre parque infantil acessível a todas e a todos, a colocação de uma passadeira ou a gestão transparente de um subsídio — que se joga a confiança nas instituições e na democracia. A política local molda diretamente a vida das pessoas. É por isso que continuo presente e ativo em Esgueira porque acredito que a política local pode ser um espaço real de resistência e de construção. Quando exigimos dignidade no tratamento dos espaços públicos, quando lutamos por orçamentos participativos que realmente funcionem, quando questionamos decisões tomadas de forma opaca, estamos a fazer política a sério. E quando defendemos que a ação social deve incluir todas as pessoas — também as LGBTQIA+, as que vivem com baixos rendimentos, as que sentem diariamente o peso da exclusão e as pessoas com deficiência — estamos a defender, na prática, os valores de Abril. Sim, os resultados eleitorais foram duros. Sim, é fácil cair no desânimo e na frustração. Mas nunca foi nos momentos fáceis que as grandes conquistas aconteceram. O salário mínimo, a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, os direitos laborais, as pensões, a ação social — tudo isso foi conquistado com persistência, coragem e, muitas vezes, em clara minoria. Cada uma dessas vitórias teve por trás rostos anónimos: trabalhadoras e trabalhadores, estudantes, cuidadoras e cuidadores, cidadãs e cidadãos comuns que decidiram não se calar. A política não é feita apenas de nomes conhecidos ou figuras públicas — é feita, sobretudo, da persistência diária e das convicções profundas das pessoas comuns. Este é o momento de não baixar os braços. A extrema-direita cresce quando há medo, desilusão e silêncio. A melhor resposta é continuar a agir: manter presença, apresentar propostas concretas, estar sempre ao lado de quem precisa de apoio. Mesmo que sejamos poucos. Mesmo que não seja popular. Mesmo que seja difícil. E se ainda estou aqui é porque me recuso a aceitar como inevitável ou a normalizar o rumo que o nosso país está a tomar. Não aceito que o cinismo, o ódio e a violência gratuita se tornem algo normal e aceitável. E porque continuo a acreditar que a política pode — e deve — melhorar concretamente a vida das pessoas. Mesmo em minoria, continuo a lutar. Como sempre! E a representar tantas outras minorias. Aqui. Em Esgueira. Porque é aqui que a democracia também se defende.

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Ribau Esteves diz que Nave da UA “é ilegal” e rejeita comparação com novo pavilhão municipal
Cidade

Ribau Esteves diz que Nave da UA “é ilegal” e rejeita comparação com novo pavilhão municipal

A crítica surgiu em resposta a Mário Costa, deputado municipal do PS, depois deste ter apontado a Nave Multiusos ‘Caixa UA’ como um exemplo de eficiência financeira, ao referir que a estrutura custou “oito ou nove milhões de euros” e que, por isso, deveria servir de referência para a Câmara Municipal que adjudicou o novo pavilhão municipal por 22,1 milhões de euros. Ribau Esteves optou por não responder à comparação feita entre os valores das duas obras e centrou-se exclusivamente no caso da UA, sublinhando que a obra da Universidade “tem um complexo processo de licenciamento” e que já foi chumbada “duas vezes” pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). “Não se use como exemplo, porque é um mau exemplo”, reforçou, acrescentando que o edifício “legalmente não existe” e que o Executivo Municipal “não pode emitir uma licença especial de ruído” para eventos no local por causa dessa situação. Segundo o edil aveirense “tudo o que são estruturas para a atividade desportiva têm que ter parecer obrigatoriamente do IPDJ”, dando nota ainda que a CMA avisou “a Universidade que devia ter feito o licenciamento antes de começar a obra”. Note-se que Ribau Esteves marcou presença na inauguração desta infraestrutura, ao lado de Luís Montenegro, em maio de 2024, sendo que em outubro do mesmo ano a Caixa UA acolheu a semana de concertos do Integra-te, organizado pela Associação Académica da Universidade de Aveiro (AAUAv). A terceira revisão orçamental - ponto um da ordem do dia - foi aprovada por maioria, com os votos favoráveis do PSD e do CDS-PP, mas contou com os votos contra do PS, BE, PCP e PAN. A proposta inclui, entre outras medidas, a edificação de um novo pavilhão desportivo - a Oficina do Desporto - que motivou críticas da oposição, principalmente pelo recurso a um empréstimo bancário, pelos custo total da obra e pela ausência de um plano de utilização. O PAN justificou o voto contra alegando a falta de integração ambiental e de planeamento urbano. “A este Executivo falta-lhe uma visão ambientalista a integrar nos seus projetos. (…) Elaboram-se projetos sem que se tenha pensado numa política de mobilidade como é o caso do Pavilhão Municipal”, disse Pedro Rodrigues, considerando o projeto “mais um Estádio Municipal, servidor de dinheiro dos contribuintes e tão pouco da parca utilização”. Também João Moniz, do Bloco de Esquerda, criticou a prioridade atribuída ao novo pavilhão, propondo que o Município apostasse, antes, na habitação acessível. “Nós devíamos estar, por exemplo, a discutir a contratação de um empréstimo para construir habitação a custos controlados promovida pela Câmara Municipal”, afirmou, referindo que os preços da habitação em Aveiro são “completamente incomportáveis com a massa salarial das pessoas que vivem e trabalham aqui”. Mário Costa, do PS, reiterou a crítica ao custo do pavilhão e reforçou que existem soluções mais económicas. “O Partido Socialista vai votar contra, porque entendemos que é um exagero gastar-se tanto dinheiro num pavilhão”, afirmou. Ainda assim, mostrou-se favorável às obras no Estádio Municipal de Aveiro, destacando a urgência da intervenção. “Aquilo está-se mesmo a degradar, cada vez mais está pior”, sublinhou, pedindo esclarecimentos sobre os concursos em curso. Em resposta, Ribau Esteves assegurou que o processo de reabilitação do estádio já está em marcha. “Temos uma obra adjudicada que é a reabilitação de tudo o que são estruturas metálicas de segurança”, revelou, acrescentando que já foi lançado o concurso para a reabilitação da “estrutura principal da cobertura”, degradada por “oxidação”. O autarca desvalorizou o debate político em torno da revisão orçamental, classificando-o como “aproveitamento de pretexto”. “As intervenções orçamentais, em termos políticos, não servem para nada. (…) Não está em causa nenhuma piscina, nenhum pavilhão, nenhum empréstimo, não está em causa coisíssima nenhuma”, afirmou, ainda que tenha admitido a possibilidade de uma quarta revisão, caso ocorram imprevistos nos concursos ou adjudicações.

Aveiro sem Supertaça: Ribau diz que não houve candidatura por ser uma final entre Benfica e Sporting
Cidade

Aveiro sem Supertaça: Ribau diz que não houve candidatura por ser uma final entre Benfica e Sporting

Durante a sessão da Assembleia Municipal que decorreu durante a noite desta quarta-feira, 17 de junho, Ribau reagiu à notícia publicada pela Ria, onde se dava conta de que Aveiro deixava de receber a Supertaça após cinco anos consecutivos de organização. Apesar da notícia não mencionar qualquer candidatura, responsabilidade da autarquia ou referências ao estado da infraestrutura, o presidente entendeu responder diretamente: “Aproveito para deixar a nota que a Câmara não perdeu coisa nenhuma da Supertaça. Há aí um órgão de comunicação social, chama-se Rádio Ria, que gosta de fazer assim uns títulos - ‘Aveiro perde Supertaça’ - e depois com umas coisas aí que perde porque o Estádio não estava... Não tem nada a ver com isso.” A explicação surgiu logo de seguida: a Câmara não concorreu à organização da Supertaça por antecipar que o jogo seria entre os dois clubes lisboetas. “Ponto um: nós não nos candidatamos, porque há muito tempo se percebeu que o meu Porto este ano teve uma época sofrível e que era o Benfica e o Sporting que iam disputar a Supertaça. E o Benfica e o Sporting nunca disputaram uma Supertaça em Aveiro. Em regra, disputam-na no sítio onde os lisboetas estão (...) no Algarve”, afirmou. Ribau Esteves acrescentou ainda que ficou satisfeito com a escolha do Estádio do Algarve, que considera que também precisa de dinamização, e deixou claro que foi uma opção do Executivo Municipal não ser apresentada qualquer candidatura para a cidade receber o evento. “Portanto, não perdemos coisa nenhuma, nem sequer candidatura apresentámos, por motivos óbvios: é o Sporting e o Benfica. O jogo vai ser num estádio que também precisa muito de vida e que se jogue lá a Supertaça. Ficámos muito contentes de saber que o jogo ia dar, olha, mais um bocadinho de razão, que é pouca, mas mais um bocadinho de razão ao fantástico Estádio do Algarve”, esclareceu Ribau Esteves.

Homem que abusou sexualmente de filhas menores em Águeda condenado a 20 anos de prisão
Região

Homem que abusou sexualmente de filhas menores em Águeda condenado a 20 anos de prisão

O acórdão, datado de 11 de junho e consultado hoje pela Lusa, deu como provados praticamente todos os crimes sexuais imputados ao arguido, que terá de pagar uma indemnização de 20 mil euros a cada uma das filhas. A pena única resultou do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido por 107 crimes de abuso sexual de crianças agravado, 20 crimes de abuso sexual de menores dependentes e três crimes de pornografia de menores, um dos quais agravado. O arguido foi absolvido apenas de um crime de abuso sexual de crianças agravado. Além da pena de prisão, foi ainda condenado nas penas acessórias de proibição do exercício de funções que envolvam o contacto regular com menores e de proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais por um período de 20 anos. O arguido, natural do Brasil e residente em Águeda, no distrito de Aveiro, foi detido em junho de 2024, encontrando-se desde então em prisão preventiva. Segundo a acusação do Ministério Público (MP), os abusos sexuais começaram quando as meninas tinham 9 e 10 anos e prolongaram-se por vários anos. De acordo com o MP, o comportamento do arguido só terminou em maio de 2024, quando as menores, então com 13 e 14 anos, contaram à mãe o sucedido. Os factos ocorreram na casa onde o arguido vivia sozinho, depois de se ter separado da companheira e mãe das crianças. Na altura da detenção, a Polícia Judiciária referiu que os abusos sexuais teriam acontecido várias vezes, quando o detido coabitava temporariamente com as filhas, uma vez que não detinha a guarda das mesmas. “O homem aproveitava o recato da casa e valia-se da sua ascendência sobre as menores resultante da autoridade parental intrínseca à relação familiar entre eles”, adiantou a Judiciária. A acusação refere ainda que o arguido chegou a filmar alguns dos atos sexuais com o seu telemóvel.

AAUAv: UAveiro é bicampeã nacional universitária de Counter-Strike 2
Universidade

AAUAv: UAveiro é bicampeã nacional universitária de Counter-Strike 2

A competição, organizada pela Federação Académica do Desporto Universitário (FADU Portugal), reuniu as melhores equipas universitárias do país nas modalidades de Counter-Strike 2, Valorant, Rocket League e League of Legends. Estiveram presentes 32 equipas, apuradas através dos torneios regionais, representando 17 clubes universitários de todo o país. A equipa de Counter-Strike 2 da UAveiro, composta por André Clérigo, Guilherme Mesquita, Francisco Domingues, Tomás Silva, José Costa, Gonçalo Freitas, João Mendes e Tiago Pita, venceu a final frente à Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (AAUTAD) por 3-0, numa série à melhor de cinco. Além do título em Counter-Strike 2, a UAveiro participou também nas modalidades de League of Legends e Rocket League. Em League of Legends, a equipa aveirense composta por Diogo Couto (ECT), João Santos (Eng.Informática), Rafael Maia (Redes e Sistemas Informáticos), Gonçalo Martins (ECT), André Alves (Eng. Informática) e Alexandre Faustino (EET) caiu nos quartos de final frente à AAIPS. Em Rocket League, a equipa representada por Eduardo Fernandes (mestrado Eng. Informática), Diogo Barros (Eng. Computacional), Rodrigo Lopes (ECT) e Guilherme Silva (MTC) alcançou o terceiro lugar, ao vencer a AEIST por 4-2. Mais de 250 agentes desportivos estiveram envolvidos nesta edição dos eFADU Nacionais, que contou com transmissão em direto na RTP Arena e no canal de Twitch da eFADU Portugal. O evento teve ainda o apoio da Câmara Municipal de Matosinhos e da Associação de Estudantes do Instituto Superior de Administração e Gestão do Porto (ISAG).