RÁDIO UNIVERSITÁRIA DE AVEIRO

Opinião

"A oportunidade eleitoral perdida", opinião de Miguel Pedro Araújo

Miguel Pedro Araújo, é natural de Aveiro. Licenciado em Comunicação e Assessoria de Imprensa, com Pós-graduação em Direito da Comunicação. Atualmente, frequenta o Mestrado em Políticas Públicas, percurso Governação Local e Regional, na Universidade de Aveiro. Depois de uma passagem pela rádio (em Aveiro e na região), profissionalmente esteve sempre ligado à comunicação autárquica, nos Municípios de Aveiro e de Ílhavo. Tem na política e nos direitos humanos o principal foco do seu ativismo.

"A oportunidade eleitoral perdida", opinião de Miguel Pedro Araújo
Miguel Pedro Araújo

Miguel Pedro Araújo

Opinião
15 mai 2025, 09:17

Estamos a dois dias do final da campanha eleitoral que culminará, no dia 18 de maio, na delegação de responsabilidades políticas de representatividade nos 230 deputados que formam o Parlamento, através de um dos pilares mais importantes da nossa democracia: o voto livre.

Independentemente da maior ou menor coesão e paz social que cada legislatura possa assumir e espelhar, dado o distanciamento político entre eleitor e eleito (ao contrário do que existe, por exemplo, na Governação Local) é nestes processos eleitorais que o cidadão tem a possibilidade, o espaço (momento) e o importante poder de decisão e de ação. A simples cruz dentro do quadrado pode fazer (e faz!) muita diferença.

Toda a agitação política que levou à moção de confiança, ao seu chumbo e à consequente dissolução da Assembleia da República, cuja responsabilidade cabe, exclusivamente, ao Governo, à data, faria supor uma capitalização do contexto por parte das oposições, nomeadamente por parte do PS.

Por outro lado, estas conjunturas eleitorais são uma óbvia e natural oportunidade para o reforço ou apresentação de novas propostas de projetos de governação que respondam às necessidades das pessoas e do país.

Sempre entendi e afirmei que o medo ou o cansaço das eleições nunca esteve do lado dos cidadãos, mas sim nos políticos e nos partidos. A estes é que cabe a responsabilidade de se afirmarem, de apresentarem os seus projetos/programas e de se comprometerem com as pessoas, as empresas, as instituições e o país.

O que aconteceu desde 19 de março (data da dissolução da Assembleia da República) até hoje, a dois dias do final da campanha eleitoral, foi um falhanço geral e generalizado. Todos falharam.

Excluindo os momentos proporcionados pelos debates, sempre condicionados pelos constrangimentos do tempo, da arbitrariedade dos temas e das questões agendadas, ou pelas dinâmicas do frente-a-frente, e apesar dos programas eleitorais disponíveis (que ninguém lê, nem os mais politizados), a verdade é que esta campanha eleitoral deixa um sabor amargo a desilusão, deceção e oportunidade perdida. Uma oportunidade de mudança que, face ao calendário eleitoral que lhe sucede (autárquicas e presidenciais) e às limitações legais, não poderá (re)acontecer tão cedo.

A verdade é que o peso das agências de comunicação, que abandonaram o spin e a propaganda para se dedicarem ao peso da “imagem popular” (e populista) do político em detrimento do discurso programático, transformaram esta campanha eleitoral (mais do que em 2024… muito mais, até) numa banalidade, num vazio, em autênticas bizarrias e surrealismos ao nível de qualquer programa de entretenimento de habilidades e dotes artísticos ou desportivos, ou, ainda, de espaços mediatizados da privacidade e intimidade pessoal. Ao ponto de, ao contrário de outros momentos em que o foco de uma câmara ou a presença de um microfone era uma oportunidade de clarificação, de reforço do conteúdo político e das ideias programáticas, uma simples pergunta jornalística (cumprindo a sua principal função) passou a ser motivo de incómodo, só porque questiona e compromete.

No entanto, também é verdade que estas leituras comunicacionais, estudadas, analisadas e intencionais, dizem mais do país que temos e dos eleitores que somos, do que, propriamente, dos profissionais de comunicação/marketing político contratados para que não houvesse espaço crítico que questionasse ou comprometesse, que promovesse a opção e a escolha, que alertasse ou desmascarasse realidades e contextos, a campanha eleitoral ficou-se por mergulhos, corridas, jogos ou equilíbrios motards. O resto centrou-se dentro das bolhas e dos comprometidos partidários.

Ao contrário das muitas expectativas iniciais, o país entrou num limbo ou num ilusório e enganador paraíso. Não se falou (praticamente, com raríssimas exceções) da saúde, do SNS e das urgências; não se falou de relatórios suspensos na educação, da falta dos professores, do desinvestimento e abandono do Ensino Superior e do desinvestimento em ciência e investigação; não se falou da Segurança Social, das reformas e do Estado Social, cada vez mais ameaçado; não se falou da economia estagnada e regressiva, da ausência de respostas às empresas e à pressão conjuntural externa; não se falou de política e relação internacionais, da Ucrânia, dos processos negociais para a paz, do genocídio e da crise humanitária em Gaza ou do legítimo direito à existência da Palestina enquanto Estado; não se falou nos desequilíbrios regionais, na falta de coesão territorial cada vez mais acentuada. E pasme-se, ao contrário do que muitos (tal como eu) esperariam mal se falou de habitação ou de imigração.

O que assistimos foi a algo que seria impensável em março: um campanha eleitoral vazia, ou esvaziada, politicamente. Vamos ter um “dia de reflexão” (seja lá o que isso ainda signifique) que nada tem para poder ser refletido.

Há poucos dias, o Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro (DCSPT-UA) divulgou um estudo, publicado no livro “O Eleitorado Português no Século XXI”, que desconstruía o mito de que os jovens não se interessam por política. Sou testemunho, pelo contacto presente com muitos deles, que isso, de facto, não é verdade: os jovens interessam-se por política. E muito e com sentido e massa críticos. Coisa diferente é os jovens interessarem-se pelos políticos e pelos partidos. Se justificações faltassem, esta campanha é a prova dessa realidade.

E poderíamos ir mais longe… o desinteresse dos jovens pelos partidos e pelos políticos alarga-se, cada vez mais, a muitas mais pessoas (basta ver o nível de indecisão que as sondagens ainda apresentam).

De qualquer forma, domingo, 18 de maio, seja um dia intenso de cumprimento de um direito democrático e de um dever cívico.

Recomendações

"Porquê orgulho? Porque ainda não é seguro viver sem medo", opinião de Hugo Filipe Nunes
Opinião

"Porquê orgulho? Porque ainda não é seguro viver sem medo", opinião de Hugo Filipe Nunes

Junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+. É um mês de visibilidade, de luta, de memória e de celebração. Mas, ano após ano, há quem insista em perguntar: “E o orgulho hetero, quando é?” Como se fosse comparável. Como se a história fosse igual para todas as pessoas. Como se o orgulho de quem foi silenciado, perseguido, ridicularizado ou agredido fosse um capricho — e não um ato de resistência. É importante dizer o óbvio: ninguém precisa de um “orgulho hetero” porque ninguém foi jamais espancado por ser heterossexual. Ninguém perdeu o emprego, foi expulso de casa ou ameaçado na rua por andar de mão dada com alguém do sexo oposto. Ninguém se viu forçado a esconder quem é — para sobreviver. O orgulho LGBTQIA+ não nasce da arrogância. Nasce da dor e da recusa da vergonha. É o contrário da superioridade; é uma resposta à humilhação imposta. Estamos em 2025. Portugal é, em muitos aspetos, um país progressista. Temos casamento igualitário, possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, reconhecimento legal da identidade de género, e algumas proteções anti-discriminação. Mas quem acha que “está tudo resolvido” vive numa bolha. As agressões homofóbicas continuam a acontecer. O bullying nas escolas é uma realidade. O acesso a cuidados de saúde competentes e respeitadores da identidade de género continua desigual. E há cada vez mais discursos públicos que ridicularizam ou atacam os direitos conquistados. Este ano, o mês do Orgulho acontece num contexto político particularmente preocupante. Com a extrema-direita a almejar cada vez mais poder, os direitos das pessoas LGBTQIA+ voltaram a ser alvo. Com linguagem disfarçada de “liberdade de expressão” ou “defesa da família”, o que se vê é o retorno de preconceitos já combatidos: a ideia de que somos uma ameaça à infância, de que devemo-nos “manter discretos”, de que exigir respeito é impor uma “agenda”. É neste contexto que surgem também os ataques ao chamado “wokismo”. A palavra “woke”, que começou por significar consciência social e atenção às injustiças, foi capturada e transformada num insulto. Sempre que alguém se indigna com o racismo, com a homofobia, com o sexismo ou com a desigualdade, é imediatamente apelidado de “woke”. Como se lutar por direitos fosse uma moda. Como se combater a exclusão fosse uma fraqueza. É uma estratégia velha: gozar com a linguagem para deslegitimar a causa. Mas as causas permanecem. E são justas. Não é coincidência que, em todos os países onde a extrema-direita governa ou tem alta influencia, os direitos LGBTQIA+ estejam entre os primeiros a serem atacados. A lógica é simples: criar inimigos internos, dividir a sociedade, impor uma moral única. Em nome da tradição, retiram-se direitos. Em nome da ordem, persegue-se a diferença. Mas a resposta a este avanço não pode ser o silêncio. Não podemos baixar os braços, nem tratar a igualdade como garantida. O Orgulho existe precisamente porque o perigo ainda existe. Porque, mesmo com avanços legislativos, o preconceito não desapareceu. Porque cada gesto público de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo ainda é, muitas vezes, um ato corajoso. Porque os adolescentes LGBTQIA+ continuam a crescer com medo, sem referências, sem apoio. Enquanto existir medo, vergonha, discriminação ou violência, o orgulho é necessário. Não é provocação; é defesa. Não é espetáculo; é sobrevivência. É dizer “estamos aqui” num mundo que tantas vezes nos quis apagar. E sim, este combate é político. Porque a liberdade e a igualdade não se defendem apenas com boas intenções. Exigem leis, políticas públicas, financiamento a organizações de apoio, campanhas de sensibilização. Exigem coragem de quem governa e de quem representa, mesmo em assembleias de freguesia. Neste junho, que ninguém se cale. Que se pinte, que se dance, que se ocupe o espaço público, que se abracem causas e pessoas. Porque o orgulho não é só de quem é LGBTQIA+. É de todas e todos os que acreditam que ninguém deve ser tratado como cidadão de segunda. Se ser woke é defender quem sempre foi silenciado, então que nunca me falte orgulho de o ser.

"Mudar o Paradigma de Gestão e de Governança da UA", opinião de Filipa Brandão
Opinião

"Mudar o Paradigma de Gestão e de Governança da UA", opinião de Filipa Brandão

Mudar o Paradigma de Gestão e de Governança da UA: Um Apelo à Liderança Participativa e à Cocriação de Soluções para o Futuro de Todos Ao celebrar mais de cinco décadas de história, a Universidade de Aveiro encontra-se num momento decisivo. Os desafios que hoje se colocam ao Ensino Superior, as restrições orçamentais, o necessário impacto social do ensino e da investigação, a sobrecarga de trabalho e em muitos casos de burnout dos seus recursos humanos, exigem uma profunda reavaliação dos modelos de liderança e gestão das Instituições de Ensino Superior. Urge transitar de modelos tradicionais de “governo” para abordagens de “governança” bottom-up, que se apoiem no ‘chão da universidade’. No centro desta transformação devem estar lideranças democráticas e transformativas assentes numa participação efetiva de Todos! O Conselho Geral da Universidade deve tornar-se o motor desta mudança. Defendemos um Conselho Geral que promova a eleição direta de todos os órgãos unipessoais, logo que legalmente possível. Que exija audições públicas abertas a toda a comunidade dos candidatos a reitor, o escrutínio aberto dos seus programas, o que é o oposto da atual situação de ‘conclave’ que reina no Conselho Geral. Defendemos um Conselho que envolva diretamente todos os segmentos da comunidade universitária, académicos e não académicos, em início de carreira e seniores, com contratos permanentes ou precários. A representação não pode ser simbólica e de cortesia para com as reitorias. O Conselho Geral deve ser a voz da comunidade e atuar como órgão de fiscalização dos órgãos da universidade: deve ser ativo, dinâmico e consequente. A governança participativa, de base, não é um ideal utópico. É uma exigência democrática. No contexto universitário, significa envolver ativamente quem trabalha e estuda na instituição na definição da sua direção, prioridades e cultura. É um modelo que reconhece os saberes diversos, as experiências vividas e as perspetivas críticas de quem está no terreno. Legitimar a governança bottom-up implica saber-se ser inclusivo e saber-se dialogar. A universidade deve refletir a inteligência coletiva da sua comunidade, o que requer dar poder de participação e decisão a Todos e não apenas às elites dos órgãos eleitos ou designados. Saber-se delegar - e não centralizar funções e decisões - é um ato de gestão inteligente. A governança participativa deve ir além da retórica. Deve estar presente nas estruturas e práticas institucionais do dia a dia. O Conselho Geral tem um potencial único para cumprir esse papel, não como mero validador das atividades do reitor, mas como espaço independente, inclusivo e construtivo de reflexão estratégica, debate e responsabilização. Para isso, precisamos de um Conselho Geral que escute, questione e proponha, que funcione como consciência coletiva da instituição. Esta visão exige uma transformação na cultura institucional. Reconstruir a confiança na governança universitária significa empoderar as pessoas. Significa garantir que docentes sobrecarregados com horas letivas excessivas, investigadores em situação de instabilidade e estudantes que procuram uma formação com sentido sintam que a sua voz conta. Governança não é controlo, é corresponsabilização. E só com corresponsabilidade poderemos construir uma universidade resiliente, inclusiva e preparada para os próximos 50 anos. Escolhamos o diálogo e a empatia com as pessoas, em vez da distância e da voz de comando, a transparência em vez da opacidade, a coragem em vez da gestão do dia a dia. Vamos co-construir a Universidade de Aveiro do futuro, em conjunto. Não para alguns, mas para todos!

“O que se segue depois do desastre eleitoral?”, opinião de Bruno Vilhena
Opinião

“O que se segue depois do desastre eleitoral?”, opinião de Bruno Vilhena

No passado dia 18 de maio, o Partido Socialista (PS) sofreu um desastre. Com toda a certeza, contados os votos da emigração, será a terceira força política na Assembleia da República durante a próxima legislatura. Tendo em conta estes dados, mantive, durante estes dias, um silêncio propositado. Preferi esperar uns dias até organizar bem os meus pensamentos, ouvir e ler o que se foi escrevendo, ter algum tempo para ter opinião e para poder mudar de opinião. Passada uma semana e já com a certeza das diretas para o final de junho – com as quais eu concordo, porque o partido não pode ficar preso a uma liderança interina e sem a legitimidade da militância – é agora tempo de olhar para a frente. O slogan “O Futuro É Já”, ao dia de hoje, quase que parece premonitório. O futuro do PS tem mesmo de ser já. A profunda reflexão que o partido precisa de fazer depois destes resultados não pode significar um partido “fechado para balanço” durante tempo indeterminado. Tem de ser feita e conjugada com a ação concreta no dia a dia da política nacional. O período até às diretas, e das diretas até ao Congresso Nacional, mesmo com as autárquicas pelo meio, deve ser um período para trabalho e discussão aberta e franca sobre o PS que queremos. Existem certamente muitos motivos que levaram o Partido Socialista a ter o resultado desastroso que teve. Assinalarei aqui apenas dois, que são os que me parecem ter tido mais peso na formulação do sentido de voto dos portugueses. O PS não conseguiu reganhar a confiança dos cidadãos eleitores para voltarem a votar nele. Em primeiro, quando apenas pouco mais de um ano passou desde as últimas legislativas e os portugueses consideraram que o governo em funções da AD ainda não teve tempo suficiente para demonstrar a sua incompetência – apesar dos sinais que já existem: um SNS pior hoje do que há um ano, uma economia a descrescer no primeiro trimestre deste ano, o preço da habitação que não parou de aumentar com políticas e medidas desastrosas apenas do lado da procura – e, talvez mais importante; Em segundo, os portugueses continuam a responsabilizar o Partido Socialista – e não estão completamente errados – pelo estado e dimensão a que chegaram os principais problemas que o país enfrenta, sejam eles o estado do SNS, a crise na habitação, ou o estado da imigração. E, por isso, naturalmente, fizeram o juízo de que não voltariam a eleger quem consideram que também esteve na origem do problema. A verdade é que, após a estabilização da economia e o alcance do rigor orçamental com crescimento económico que o PS conseguiu – e conseguiu provar que a esquerda é capaz disso – nos seus primeiros anos de governação pós-2015, perdeu-se uma oportunidade histórica para reformar o país e, em consequência, o nosso tecido produtivo. Não por falta de soluções ou de bases lançadas, que as foram: na habitação, na saúde, nos transportes; mas por um sentimento – tão nosso, aliás – de que não é preciso ter pressa, que vamos com calma, vamos gerindo. Errámos. Os problemas agravaram-se e as pessoas responsabilizaram-nos e continuaram a fazê-lo. Esse é o tipo de eleitorado que só se recupera com tempo e seriedade, e não em clima de instabilidade. Nesse aspeto, Pedro Nuno Santos não teve sorte. Eleito secretário-geral em circunstâncias muito difíceis, lidou logo com umas eleições antecipadas, seguidas de umas europeias complicadas. Nem um ano depois, umas novas legislativas antecipadas e, tudo isto, em pouco mais de um ano de liderança do partido. Teve o sentido de Estado que devia no momento em que o país vivia, viabilizando um Governo e um Orçamento do Estado com os quais não concordava e chumbando moções de censura a esse Governo com o qual não concordava. Furtou-se sempre, e bem, à tática política e acabou por ser essa rejeição da tática, aliada a um Governo que criou todas as crises que podia para entalar o maior partido da oposição, que ajudou a provocar eleições e não deu ao PS o tempo suficiente para se renovar e se reapresentar como uma alternativa de governo. Nesse aspeto, foi difícil fazer melhor, e teria sido sempre mais fácil dobrar a espinha e dar o dito por não dito, conservando o Governo. Quanto ao futuro da liderança do partido, que já parece mais ou menos resolvido, há pouco mais de um ano subscrevi e propus a candidatura de Pedro Nuno Santos a secretário-geral do PS, fiz campanha por ele, votei nele, fui delegado ao Congresso do PS numa lista adstrita à sua candidatura. Acho que o PS tem de estar mais próximo da social-democracia – forte defensora do Estado Social e do papel do Estado para a resolução das crises que vivemos, e até de uma raiz mais trabalhista e virada para o mundo trabalho – do que de um centrismo iluminado que deixa ao mercado a resolução de tudo e usa a “esquerda” meramente como um token para sinalização de virtude. Sei que, por motivos históricos, até, a base eleitoral do PS sempre foi mais burguesa do que operária, mas primeiro perdemos os burgueses e agora até os operários. Não foi pelas circunstâncias terem mudado que estes meus princípios também mudaram e é isso que continuarei a defender como a melhor resposta para o país. Os tempos que se vão seguir serão sempre terríveis para o PS tendo em conta que hoje lidamos com uma extrema-direita parlamentar perfeitamente estabelecida. Aí, o PS não pode cometer o erro de querer lutar para liderar a oposição. O PS tem de lutar para liderar o país. Para isso, não só tem de ter uma alternativa de governo bem preparada, mas tem de estar no terreno. As alternativas não se constroem fechadas numa sala, os nossos autarcas e candidatos autárquicos, que dentro de meses vão a jogo por todo o país, sabem isso melhor do que ninguém. O PS tem de sentir os problemas dos portugueses e assumi-los como seus e deixar de falar para nichos que se vão encolhendo à medida que o tempo passa. O PS tem de voltar a ter um projeto aspiracional para o país em que os portugueses se revejam e não uma lista de compras e de medidas para nichos. Caso não o façamos, estas eleições já provaram mais uma vez que quem absorve o descontentamento não correspondido não é o PS. Uma última nota sobre o voto jovem. Já há dois atos eleitorais que o PS não conquista mais de 20% dos votos nos eleitores entre os 18 e os 34 anos. Existem vários motivos para isso, como o facto de uma geração de novos votantes ter crescido e ganhado consciência política durante um longo período de governação do Partido Socialista, em que associam com naturalidade os problemas do país a quem o governou durante esse período. Mas a minha pergunta é: esta tendência não é nova, o que tem feito e para que tem servido a Juventude Socialista?

"Depois das eleições: a esquerda combativa continua a fazer falta", opinião de Hugo Filipe Nunes
Opinião

"Depois das eleições: a esquerda combativa continua a fazer falta", opinião de Hugo Filipe Nunes

As eleições legislativas do passado 18 de maio deixaram um país politicamente mais à direita. A AD venceu com folga, o Chega obteve um resultado bastante expressivo e, do lado da esquerda, muitos ficaram com uma sensação de travessia no deserto. O Bloco de Esquerda perdeu representação parlamentar e, na verdade, em todo o país houve uma retração da força política transformadora da esquerda. Em Aveiro — tanto no distrito como no concelho —, e também em Esgueira, os resultados foram igualmente desanimadores. Aqui na freguesia, o Bloco ficou pelos 2,37%, e quase um quarto das pessoas votou num partido de extrema-direita. Tendo participado várias vezes como membro substituto na Assembleia de Freguesia de Esgueira, esses números preocupam-me profundamente. Mas, como cidadão, preocupam-me ainda mais. São reflexo de um descontentamento social real que a direita populista conseguiu explorar, muitas vezes sem apresentar soluções concretas, baseando-se apenas em discursos fáceis e oportunísticos. Não me iludo: o desfecho destas eleições é um sinal claro de que temos muito trabalho pela frente. Ainda assim, não desisto. Não é a primeira vez que lutamos em minoria. É o nosso pior resultado? É! Mas sei bem que a força das ideias não se mede apenas pelo número de cadeiras no Parlamento. Também me preocupa o momento difícil que, internamente, o próprio Bloco de Esquerda atravessa, com críticas públicas à direção e o adiamento da convenção nacional — uma decisão que, mesmo compreensível num ano em que ainda vamos ter eleições autárquicas, não deixa de acentuar a sensação de impasse. Continuo a acreditar — com a mesma firmeza — que a justiça social, a defesa dos serviços públicos, o combate às alterações climáticas e a luta contra todas as formas de discriminação são causas que valem a pena. E que continuam a precisar de vozes, de corpos e de ação política. A democracia não é só votar de quatro em quatro anos. É intervir todos os dias, especialmente aqui, onde vivemos. É também nas pequenas decisões — sobre parque infantil acessível a todas e a todos, a colocação de uma passadeira ou a gestão transparente de um subsídio — que se joga a confiança nas instituições e na democracia. A política local molda diretamente a vida das pessoas. É por isso que continuo presente e ativo em Esgueira porque acredito que a política local pode ser um espaço real de resistência e de construção. Quando exigimos dignidade no tratamento dos espaços públicos, quando lutamos por orçamentos participativos que realmente funcionem, quando questionamos decisões tomadas de forma opaca, estamos a fazer política a sério. E quando defendemos que a ação social deve incluir todas as pessoas — também as LGBTQIA+, as que vivem com baixos rendimentos, as que sentem diariamente o peso da exclusão e as pessoas com deficiência — estamos a defender, na prática, os valores de Abril. Sim, os resultados eleitorais foram duros. Sim, é fácil cair no desânimo e na frustração. Mas nunca foi nos momentos fáceis que as grandes conquistas aconteceram. O salário mínimo, a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, os direitos laborais, as pensões, a ação social — tudo isso foi conquistado com persistência, coragem e, muitas vezes, em clara minoria. Cada uma dessas vitórias teve por trás rostos anónimos: trabalhadoras e trabalhadores, estudantes, cuidadoras e cuidadores, cidadãs e cidadãos comuns que decidiram não se calar. A política não é feita apenas de nomes conhecidos ou figuras públicas — é feita, sobretudo, da persistência diária e das convicções profundas das pessoas comuns. Este é o momento de não baixar os braços. A extrema-direita cresce quando há medo, desilusão e silêncio. A melhor resposta é continuar a agir: manter presença, apresentar propostas concretas, estar sempre ao lado de quem precisa de apoio. Mesmo que sejamos poucos. Mesmo que não seja popular. Mesmo que seja difícil. E se ainda estou aqui é porque me recuso a aceitar como inevitável ou a normalizar o rumo que o nosso país está a tomar. Não aceito que o cinismo, o ódio e a violência gratuita se tornem algo normal e aceitável. E porque continuo a acreditar que a política pode — e deve — melhorar concretamente a vida das pessoas. Mesmo em minoria, continuo a lutar. Como sempre! E a representar tantas outras minorias. Aqui. Em Esgueira. Porque é aqui que a democracia também se defende.

Últimas

Misericórdia de Vale de Cambra com projeto de 3,2 ME para habitação sénior colaborativa
Região

Misericórdia de Vale de Cambra com projeto de 3,2 ME para habitação sénior colaborativa

Segundo revelou hoje a instituição, o modelo em causa permite que idosos em situação vulnerável, mas ainda física e socialmente autónomos, possam viver em residências que, sem lhes restringir a devida independência, beneficiarão de espaços e serviços comuns. “O público-alvo desta resposta será, previsivelmente, a população mais vulnerável do concelho, em particular pessoas idosas com autonomia funcional”, revelou à Lusa fonte da Santa Casa. A fonte adiantou que “o modelo habitacional prevê a construção de moradias T1 e T2, organizadas de forma a promover a vida comunitária, pelo que os residentes partilharão espaços comuns, assumindo em conjunto responsabilidades relacionadas com a limpeza, manutenção e organização do espaço”. Parte dessa componente colaborativa e comunitária será assegurada pela própria Misericórdia, com recurso a um quadro de pessoal “bastante reduzido”. Está previsto, aliás, que este modelo habitacional exija apenas um diretor técnico, “que assegurará o acompanhamento global do projeto”, cabendo depois a parceiros locais assegurar as atividades de “lazer e tempos livres dos residentes”. O primeiro concurso público para o efeito foi lançado em fevereiro deste ano e “ficou deserto”, pelo que o procedimento atual tem agora um valor-base de adjudicação 200.000 euros acima do anterior. A componente de financiamento comunitário, por sua vez, mantém-se na ordem dos 1,879 milhões de euros. Se houver candidatos válidos e a empreitada arrancar antes do final de 2025, a expectativa é que, dado o prazo de execução de um ano, as novas habitações – a criar na freguesia de Codal – possam ser ocupadas no final de 2026 ou início de 2027. A Santa Casa de Vale de Cambra garantiu que assume o projeto “com o empenho e sentido de missão que sempre a caracterizaram”, mas admitiu algumas cautelas: “Há uma natural preocupação face ao contexto nacional e internacional, marcado por incertezas económicas, escassez de mão-de-obra e prazos extremamente curtos para a execução de obras com grande exigência técnica e financeira”. A prioridade da instituição, em todo o caso, continua a ser contribuir para a comunidade local “com soluções inovadoras e sustentáveis que melhorem a qualidade de vida da população mais vulnerável”.

Assembleia de Freguesia de Aradas termina em polémica após abandono do PS e Sentir Aradas
Cidade

Assembleia de Freguesia de Aradas termina em polémica após abandono do PS e Sentir Aradas

Em comunicado publicado nas redes sociais da freguesia, na passada segunda-feira, o Executivo da Junta — liderado pela coligação Aliança com Aveiro — lamentou “profundamente a atitude democrática” dos dois grupos, acusando-os de abandonar a sessão pelas “19h33” “sem fundamento”, apesar de esta estar “a decorrer de forma legal e regular”. O Executivo defendeu que a ausência da presidente da Junta, provocada por um “imprevisto pessoal”, foi comunicada antecipadamente e colmatada por um “substituto legal”. Segundo o comunicado, estavam presentes os restantes membros do Executivo: “Danilo Almeida (Tesoureiro), Carisa Martins (Secretária), Júlio Dias (Vogal) e Sandra Sindão (Vogal)”. O comunicado oficial acusa ainda as bancadas do PS e do Sentir Aradas de se recusarem a interpelar o Executivo por não estar presente a presidente, alegando que tal atitude demonstra uma falta de reconhecimento pelos restantes eleitos. A Junta considera o episódio “um claro atentado à vontade do povo de Aradas manifestada nas eleições autárquicas de 2021” e “ofensiva da democracia”. Também os partidos da oposição reagiram na passada segunda-feira, através das suas redes sociais, com comunicados próprios e com críticas ao Executivo e ao presidente da Assembleia. Em declarações à Ria, Gilberto Ferreira, líder do Sentir Aradas e candidato à Junta de Freguesia de Aradas nas eleições autárquicas, questionou a legitimidade do comunicado. “Não sabemos quem o assina. Não sabemos se foi feito pela Mesa da Assembleia, pelo Executivo ou pela sua presidente”, disse. “A presidente chegou atrasada e foi-nos comunicado isso no início. Sugerimos o adiamento da sessão, algo que foi recusado. O Executivo decidiu prosseguir com os trabalhos mesmo sem a presidente, o que nos pareceu pouco adequado”, afirmou. Gilberto Ferreira descreveu ainda que, após o único ponto de a ordem de trabalhos ser iniciado, o presidente da Assembleia interveio para “complementar” as declarações do Executivo, algo que considerou “uma extrapolação clara das suas competências”. “Ninguém lhe pediu para complementar. Estava a ultrapassar as suas funções. Quando a presidente chegou esbaforida e tomou a palavra, achámos que não o devia fazer. Já tinham falado em nome do Executivo e não havia justificação para nova intervenção”, relatou, acrescentando que a situação gerou um “mal-estar” que levou à saída das bancadas do Sentir Aradas e do PS. Também Sónia Madail Aires, líder da bancada socialista e candidata à Junta de Freguesia de Aradas nas eleições autárquicas, rejeitou as acusações da Junta e defendeu que a decisão de abandonar a sessão foi uma reação ao “comportamento antidemocrático” da presidente e do presidente da Assembleia. “Se houve alguém que não respeitou a democracia, foi o presidente da Assembleia de Freguesia e a senhora presidente da Junta. O que aconteceu foi uma autêntica falta de respeito pelo órgão. Nós não estamos ali para ser constantemente desrespeitados e humilhados”, afirmou. A socialista sublinha que a oposição não contestou o atraso da presidente, mas sim o modo como esta retomou os trabalhos. “Um imprevisto pode acontecer a qualquer pessoa. Não foi isso que motivou a nossa saída. A presidente chegou e, em vez de se sentar e acompanhar os trabalhos que já decorriam, decidiu intervir como se estivesse a iniciar a reunião. Isso não é aceitável”, insistiu. A Ria tentou ainda contactar Catarina Barreto, presidente da Junta de Freguesia de Aradas, mas até ao momento não obteve resposta.

Cerca de 17% dos jovens dos 15 aos 34 anos abandonam pelo menos 1 nível de escolaridade
País

Cerca de 17% dos jovens dos 15 aos 34 anos abandonam pelo menos 1 nível de escolaridade

Estas conclusões são do módulo de 2024 do Inquérito ao Emprego, sobre “Jovens no mercado de trabalho”, que se focou na identificação dos percursos educativos abandonados e nas razões para a sua não conclusão, assim como na relação entre as exigências do trabalho e a formação académica e as competências que os jovens detêm. Segundo o documento, as principais razões que motivaram a desistência foram “questões financeiras ou de trabalho”, 30,1%, e a perceção de que “o curso era demasiado difícil ou não correspondia às expectativas ou necessidades”, 28,2%. No subgrupo daqueles com ensino superior, 12,4% concluíram, pelo menos, uma qualificação com orientação vocacional ou profissionalizante ao nível do ensino secundário ou pós-secundário, tendo assim tido experiência profissional integrada no curriculum escolar, adianta o INE. Na população dos 16 aos 34 anos empregada ou que, não sendo empregada, tem experiência profissional anterior, um em cada cinco (20,8%) considerou ter um nível de escolaridade superior às exigências do trabalho que desempenha (ou desempenhava) e uma proporção semelhante (22,7%) referiu ter mais competências do que as necessárias ao desempenho das suas funções. Não obstante, no subgrupo dos que concluíram o ensino secundário ou um nível de escolaridade superior, 41,3% consideraram que a sua área de educação e formação corresponde total ou quase totalmente às exigências do seu trabalho.

Suspeito de abusar de jovem vulnerável em Oliveira do Bairro foi detido pela PJ
Região

Suspeito de abusar de jovem vulnerável em Oliveira do Bairro foi detido pela PJ

Segundo as investigações, os abusos sexuais teriam ocorrido numa localidade do concelho de Oliveira do Bairro, quando o suspeito conseguia estar a sós com a vítima, aproveitando-se da vulnerabilidade desta, afirmou aquela força policial, num comunicado enviado à agência Lusa. O homem foi detido no cumprimento de mandado de detenção e, após apresentação a primeiro interrogatório judicial, foi-lhe aplicada a medida de coação mais gravosa de prisão preventiva.