RÁDIO UNIVERSITÁRIA DE AVEIRO

Opinião

"Portagens da A25 – A Oportunidade Perdida", opinião de João Manuel Oliveira

João Manuel Oliveira foi jornalista de tecnologias e regional e é, atualmente, consultor de comunicação numa agência. Dedica o seu tempo livre ao conhecimento nas áreas da genealogia e história local, gastronomia e vinhos.

"Portagens da A25 – A Oportunidade Perdida", opinião de João Manuel Oliveira
João Manuel Oliveira

João Manuel Oliveira

Opinião
02 jan 2025, 15:20

Corria o final do ano de 2024. Em todo o país, anunciava-se que às primeiras badaladas, as portagens num conjunto de autoestradas tinham acabado, devido ao esforço do PS, como lembrou Pedro Nuno Santos no X [rede social]. No entanto, uma cidade capital de distrito ficava a saber que afinal há duas A25. Fica aqui a crónica de uma oportunidade perdida, de um engano, da permanência de uma injustiça. E não há partidos políticos ou deputados que fiquem bem nesta fotografia.

Vamos a factos. O PS, que nos últimos oito anos nunca quis o fim das portagens – embora tenha feito descontos - entendeu, passado três meses, que afinal era fundamental para a coesão nacional que as autoestradas que ligam o Interior ao Litoral (ok, e a Autoestrada do Algarve e a A28, numa parte) deixassem de ser portajadas. A razão? “São eliminadas as taxas de portagem cobradas aos utilizadores nos lanços e sublanços das seguintes autoestradas do Interior correspondentes a antigas autoestradas em regime SCUT - Sem Custos para o Utilizadores ou onde não existam vias alternativas que permitam um uso em qualidade e segurança”.

Em Aveiro e na região, desde que foi “destruída” a IP5 – e surgiu a A25, que múltiplos políticos e a sociedade civil tentaram que o início da A25, entre a Barra e Albergaria, não tivesse pórticos. Apenas se conseguiu evitar um troço – aquele que ligava Aveiro às praias. Mas ficámos com a situação mais caótica: ter uma zona industrial que é obrigatório ultrapassar para não pagar num pórtico e ter duas onde camiões passam diariamente para poupar dois pórticos. Tudo isto porque a A25 é portajada em zonas de distribuição de tráfego e acesso a outras autoestradas. Lembro-me, com saudade, da vontade de um deputado municipal, o grande Raúl Martins, sugerir que o pórtico “do Estádio” deveria ser destruído, nem que fosse com uma motosserra…

Nem com motosserra e muito menos com o PS. Por muito que Filipe Neto Brandão [deputado pelo PS na Assembleia da República e natural de Aveiro] votasse contra o seu partido ao longo de algumas tentativas, o PS e o PSD nunca alteraram a situação. Continuámos a ter o acesso ao Estádio e o acesso ao Porto de Aveiro portajado.

Mas chegados a junho, ao PS juntou-se o Chega, o BE, o PCP, o Livre e o PAN. Com a abstenção da IL e o voto contra dos partidos do Governo, PSD e CDS, a Lei 37/2024 passou. E achávamos todos – alguns até ontem – que o assunto estava resolvido de vez. No entanto, tal não era verdade. Os deputados do PS proponentes da Lei, onde não está nenhum de Aveiro, escreveram explicitamente “A25 – Beiras Litoral e Alta”. Ora, esse troço/lanço é um concessionado respeitante apenas à parte desde Albergaria até Vilar Formoso. Já o troço Albergaria – Barra (e os seus três pórticos) fazem parte da concessão da Costa de Prata. E não estão contemplados.

Com este monumental erro – espero que por ignorância e não por má-fé, Aveiro fica condenado, mais uma vez, a ter nas suas estradas municipais - e “onde não existem vias alternativas que permitam um uso em qualidade e segurança” - os carros que evitam pagar portagens. É um erro monstruoso, que não ajuda ao investimento, ao fluxo de bens e pessoas, à segurança e à melhoria do próprio Porto de Aveiro.

O PS não pode dizer que não sabia. No debate, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, lembrou explicitamente Pedro Nuno Santos ao dizer que com a proposta “não resolvia os acessos a Aveiro”.

Os deputados do PSD e do CDS oriundos da região de Aveiro, mesmo defendendo o princípio do utilizador-pagador e mesmo estando no poder, deveriam ter sido audíveis a denunciar a situação. Em especial Ângela Almeida, a ainda presidente da Junta de Freguesia de Esgueira, território onde estão dois acessos e um pórtico. Mas ninguém fica livre da vergonha de não terem percebido o que estava implícito na Lei e andado a espalhar “fake news”. Fica assim demonstrada a inutilidade de deputados que de Aveiro só têm o círculo por onde foram eleitos – sim, estou a falar do CHEGA, e do lado do PS, gostava que tivessem olhado com mais atenção para uma lei que poderia ter sido fundamental para o nosso desenvolvimento como cidade e região – ou isso ou nunca tiveram força para conseguir e por isso nem pediram para assinar.

Este artigo não é sobre o princípio do pagamento. É sobre como 230 deputados, na Assembleia da República, alguns dos quais conhecedores do território e outros de leis, decidiram manter e agravar a injustiça que temos no nosso território. Uma oportunidade perdida para os próximos anos. Em 2030 acaba a Concessão Costa de Prata e em 2031 a Concessão Beira Litoral e Alta. Será nessa altura?

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"Uma Nova Visão de Coesão para Portugal", opinião de André Gomes
Opinião

"Uma Nova Visão de Coesão para Portugal", opinião de André Gomes

Neste tempo em que a fruta da época são as promessas dos vários líderes políticos, nas suas já tradicionais proclamações por “amanhãs que cantam”, não podia deixar de apresentar uma proposta que estou convencido de que poderia vir a ser um importante contributo para resolver, por um lado, um grande problema coletivo — a gestão e a coesão territorial — e, por outro, um desafio individual — a gestão/utilização do património rústico, muitas vezes herdado, não identificado e quase sempre abandonado. A iniciativa que se propõe, passa pela criação de um sistema integrado de troca voluntária de terrenos rústicos por Certificados de Aforro, promovendo, dessa forma, o emparcelamento e gerando receitas, quer através de explorações agrícolas, quer através da venda de créditos de carbono, num movimento que pretende transformar paisagens, reorganizar e valorizar o território nacional. Portugal enfrenta, há várias décadas, um dos maiores desafios no ordenamento e gestão do seu território rural: a fragmentação extrema da propriedade rústica e o progressivo abandono da atividade agrícola, tendência que se agravou entre 2019 e 2023 (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2024). Este abandono está certamente relacionado com a falta de um cadastro predial completo — um dos nossos grandes falhanços coletivos. Segundo o Balcão Único do Prédio (BUPi, 2024), até ao final de 2024, apenas cerca de 50% do território nacional tinha sido alvo de cadastro e registo atualizado. Não se consegue gerir um território cuja metade da sua extensão não tem dono devidamente identificado. Prova disso está no facto de Portugal ter registado mais de 440 mil hectares de área ardida entre 2017 e 2022 (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF], 2023). As florestas desordenadas e abandonadas continuam a servir de combustível para alimentar o ciclo de incêndios devastadores. Para responder a estes problemas, e após vários anos a convivermos com esta realidade, surge o programa “Certificados por Território”. O conceito é simples: os proprietários poderiam voluntariamente ceder os seus terrenos rústicos ao Estado e, em contrapartida, receberiam Certificados de Aforro — um instrumento de poupança pública, seguro e com rendimento garantido. Esta é uma solução composta por vários passos. O processo iniciar-se-ia com o registo obrigatório do terreno no Balcão Único do Prédio (BUPi), seguido da avaliação pela Autoridade Tributária. Para facilitar o registo e garantir menos conflitos posteriores (não esqueçamos a possibilidade de sobreposição de polígonos), seria importante envolver os técnicos de cadastro predial, designadamente os Solicitadores Portugueses, profissionais habilitados, conhecedores da componente jurídica e que, através da sua Ordem, deram um passo pioneiro nesta matéria com o lançamento da plataforma Geopredial. A sua colaboração (com forte representatividade no território) permitiria agilizar o processo de identificação e georreferenciação dos terrenos, garantindo maior fiabilidade e celeridade ao programa. Após aceitação do valor de avaliação, os proprietários celebrariam uma escritura pública de permuta, transformando património abandonado em poupança segura. O Estado, por seu lado, agregaria as parcelas adquiridas, promovendo o emparcelamento e criando unidades fundiárias com dimensão economicamente viável. Estas unidades poderiam depois ser vendidas ou concessionadas a jovens agricultores, cooperativas ou autarquias, ou, por outro lado, ser afetas a programas de reflorestação estratégica. No caso da opção pela reflorestação, esta privilegiaria as espécies autóctones, mais resilientes aos efeitos das alterações climáticas e ao risco de incêndio. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF, 2023) seria responsável pela plantação e certificação das novas florestas. Estas áreas reflorestadas permitiriam a obtenção de créditos de carbono no Mercado Voluntário de Carbono, cujas receitas resultantes da venda seriam reinvestidas na expansão do próprio programa. Uma das inovações desta proposta reside no envolvimento das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) e das Juntas de Freguesia como possíveis entidades gestoras das áreas reflorestadas. As Juntas, com profundo conhecimento do território e das comunidades locais, estariam bem posicionadas para assegurar uma gestão ativa e sustentável. Adicionalmente, estas entidades poderiam beneficiar de uma nova fonte de rendimento a longo prazo, através da participação nas receitas provenientes da venda de créditos de carbono. O programa “Certificados por Território” apresenta um conjunto abrangente de benefícios, nomeadamente: • Redução do minifúndio e do abandono da propriedade rústica; • Estímulo à atividade económica, agrícola e florestal; • Aumento da área de floresta autóctone e da biodiversidade; • Criação de novas fontes de receita para as freguesias rurais; • Contributo efetivo para o cumprimento das metas de neutralidade carbónica até 2050; • Promoção da literacia financeira e da poupança nacional. Ao articular recuperação fundiária, valorização ambiental e incentivo à poupança, esta proposta poderia transformar um problema estrutural numa oportunidade de desenvolvimento sustentável para Portugal. Está nas nossas mãos transformar o abandono em oportunidade, e garantir que o interior de Portugal tenha, também ele, um amanhã que cante.

"A intimidante combinação de palavras: Inovação Pedagógica", opinião de Joana Regadas
Opinião

"A intimidante combinação de palavras: Inovação Pedagógica", opinião de Joana Regadas

Lê-se num documento lançado pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES): “O crescente acesso de jovens ao Ensino Superior tem colocado problemas de desajustamentos no que concerne às tradicionais metodologias de ensino”. Este documento, datado de 2022, evidencia a necessidade de reformulação do papel do Ensino Superior, reforçando que “deverá voltar-se para o desenvolvimento de pessoas autónomas, dotadas de pensamento crítico e criativo”. No entanto, três anos depois, a combinação de palavras inovação pedagógica parece ainda intimidar muitos docentes e até mesmo estudantes. A realidade é que a Universidade de Aveiro se encontra na vanguarda de implementação destas novas metodologias de ensino e pedagogia, no entanto, esta não é transversal a todos os cursos lecionados, parecendo muitas vezes que somos, ao mesmo tempo, duas universidades em espaços temporais diferentes. Enquanto uns aprendem com metodologias deste século, têm salas idealizadas para estas novas metodologias e são parte ativa do seu processo de aprendizagem e avaliação, tantos outros continuam a aprender com aulas totalmente expositivas, com os mesmos slides de há 10 anos, em salas idealizadas para um ensino de 1973 e sem uma única oportunidade de escolherem como preferem aprender e como podem ser parte ativa da sua formação enquanto cidadãos. Muitas questões se levantam para estas diferenças dentro do mesmo ambiente de estudo. Porque é que nem todos os estudantes podem estar no centro do sistema de aprendizagem? O que impede a aplicação destas metodologias de uma forma transversal? Será relutância por parte do corpo docente, ou então os próprios estudantes estão intimidados com a carga horária adicional que estes novos métodos podem trazer? A verdade é que, atualmente, há um desencontro entre o que o estudante prefere e necessita e o que o sistema de ensino fornece, revelando-se urgente repensar o Ensino Superior, readaptar os currículos, formar o corpo docente, replicar os casos de sucesso - como “Do Marketing às Línguas: A arte da Escrita Criativa” e “ARTE: Aprendizagem Reflexiva através do Teatro para a Transformação Socio-Ecológica” - noutras áreas mais desafiantes e não ter receio das novas tecnologias. Apesar da inovação pedagógica parecer a solução para todos os males do Ensino Superior, é preciso não descurar o delicado equilíbrio que pode introduzir na carga horária. Se é exigido ao estudante que se envolva de forma mais ativa e que despenda de mais tempo para conseguir realizar toda esse trabalho prévio e autónomo, é também necessário que os currículos passem a ser pensados de forma que as unidades curriculares estejam interligadas e promovam a interdisciplinaridade, que acaba por ser a segunda palavra mais intimidadora de todo este processo. Para isso, todos os órgãos envolvidos na construção e avaliação de planos curriculares, como comissões de curso e conselho pedagógico, têm de ser uma parte ativa neste processo. A intimidante combinação de palavras, inovação pedagógica, tem de ser um caminho partilhado, e a inovação não pode partir apenas de um dos lados da sala de aula. Certo é que o caminho é longo e pelo meio surgirão sempre novas metodologias, mais informações, e a teia, já com muitos pontos ligados, torna-se cada vez mais preenchida. No entanto, é por esta mesma razão que é necessário sair do conforto da sala de aula tradicional e repensar o papel de professor e aluno, envolvendo todos na pergunta de milhões “Ǫual é o futuro da educação?”.

"O Estado falhou com a Ana Paula Santos. O Estado somos nós", opinião de Miguel Pedro Araújo
Opinião

"O Estado falhou com a Ana Paula Santos. O Estado somos nós", opinião de Miguel Pedro Araújo

O alarme (09/2024) e o despertar da comunidade (03/2025) foram despoletados pela decisão da autarquia de Loures em demolir as “autoconstruções” (o eufemismo atual para “barracas”), erguidas no bairro do Talude Militar, e pelo constante receio que as mulheres sentem pela possibilidade da retirada das crianças por falta de habitação e consequente institucionalização pelo Estado. O caso de Ana Paula Santos (espelho de centenas de outros casos semelhantes), mediatizado há dias, levou à mobilização da comunidade e de alguns movimentos coletivos. De forma resumida (o caso é público, ainda bem), Ana Paula Santos é uma mulher com 38 anos, natural de São-Tomé, principal núcleo de uma família monoparental, mãe de três filhas (4, 9 e 18 anos) que frequentam a escola, cuidadora de idosos, aufere o salário mínimo, é contributiva, mas sem qualquer apoio estatal. Ana Paula, que vive desde a demolição da sua “autoconstrução” em finais de 2024 numa pensão em situação precária, deu à luz, no dia 18, o pequeno Heitor sob a incerteza de poder ficar com o seu filho e de ter um lugar onde morar após a alta hospitalar. Todos estes pormenores não são, de todo, menores, mas antes ‘pormaiores’. Este caso apresenta-nos duas disfuncionalidades do Estado em matéria de Políticas Públicas em Habitação e Ação Social. Na Habitação, a revogação, por este último Governo, de um conjunto de medidas que estavam, há pouco mais de um ano, a ser implementadas sob a tutela da ex-ministra Marina Gonçalves (PS) afigura-se preocupante. Supostas políticas de benefícios dos (apenas alguns) jovens, o fim do congelamento das rendas (87 mil pessoas ficaram sem o apoio extraordinário à renda), a revogação do programa “Arrendar para Subarrendar” ou a nova lei do uso dos solos, para além de não estagnarem ou inverterem a crise habitacional, originaram a que, em apenas um ano de governação (2024-2025), o preço dos solos rústicos tivesse um aumento médio de 71% (fonte: imobiliária ERA) e o das habitações disparado 10,8%, no início de 2025 (comparando com janeiro de 2024, segundo o INE). Não há outro lado da realidade dura e crua. Ninguém constrói, por belo prazer, uma ‘barraca’ a não ser no limite do desespero e da ausência de qualquer alternativa ou apoio, preferindo, mesmo sem condições, quatro paredes e um teto a viver na rua. Ninguém constrói uma ‘barraca’ a não ser porque o Estado falhou na sua responsabilidade enquanto garante de um direito social fundamental e constitucional: uma casa. O mesmo Estado que, não cumprindo a sua função e missão, numa inqualificável incapacidade política de assumir a sua responsabilidade (como o demonstram as recentes afirmações deploráveis de Maria Palma Ramalho, ministra do Trabalho, que disse, publicamente, que a resposta à crise da habitação não é responsabilidade do Governo, mas sim das autarquias… e disse isto sem se ‘rir’), em vez de agir de forma a ser parte (e uma boa parte) da solução, é fator de incremento do problema. Em muitos casos num manifesto atropelo dos direitos e da lei, por exemplo, a Lei de Bases da Habitação que não permite que alguém seja desalojado sem que, antecipadamente, lhe seja garantida uma alternativa. Demolição por mera demolição gera nova ‘autoconstrução’… é da sobrevivência humana. E hoje assistimos, por exemplo na zona de Lisboa, a um preocupante retrocesso social e civilizacional até aos anos 80. Se por si só todos estes contornos são mais que esclarecedores sobre a forma como o Estado age (ou abstém-se de agir) em relação aos mais frágeis e às minorias, o recente relatório intercalar “Portugal, Balanço Social 2024” indica que cerca de 900 mil trabalhadores (8,9% da população), que auferem um rendimento mensal, encontram-se em situação de pobreza absoluta, muitos deles sem recursos para se poderem abrigar debaixo de um teto (13 mil pessoas viviam, em 2023, em situação de sem-abrigo)… ou que 1,3 milhões de portugueses não possuem recursos financeiros para pagar uma dieta adequada. Sendo que por “dieta adequada” entende-se uma despesa mínima em alimentação de 5,5 euros/dia. Mas as milhares de “Anas Paulas” que existem revelam outra falha do Estado: a das políticas públicas de intervenção social. Como se já não fosse, por si só, degradante, estigmatizante e cáustico ser-se pobre, a irresponsabilidade social do Estado, a sua ineficácia na implementação de políticas de coesão e providência social, a sua ação não é a da solução ou a da resposta. O Estado limitou-se, mal, a penalizar duplamente: por um lado falhou nas políticas de alavancagem social (onde se insere a habitação, o emprego e o salário ou os programas de apoio aos mais vulneráveis) e, por outro lado, age punitivamente sobre a própria coesão familiar e relação mãe-filha(o)s. Sendo que neste caso é, também (e muito), questionável a opção linear da retirada da criança do seio familiar a uma mãe que não maltrata os seus filhos, que os protege, que trabalha, mas que apenas não tem condições (porque a sociedade e o Estado não lhas proporcionam, por inércia e inação) para ter uma habitação digna. A própria Comissão Europeia, tal como lembrou há dias a economista Susana Peralta, em 2024 recomendava que a pobreza não devia ser motivo para que crianças fossem colocadas em cuidados alternativos. Isto porque a Comissão Europeia entende que cabe ao Estado promover políticas públicas e encontrar mecanismos que criem condições que evitem a separação familiar. Aliás, algo que a própria UNICEF sempre proclamou no superior interesse e direitos das crianças. Ao caso, tomemos o exemplo da medida governativa que determina que uma família de acolhimento possa receber o apoio até perto dos 800 euros (quase um salário mínimo) por criança acolhida. Excluindo, por agora, a discussão ética e moral sobre eventual mercantilização do processo de acolhimento, fica difícil perceber o porquê do Estado, perante o que é a realidade e o contexto do caso de Ana Paula, não apoiar a procura de uma habitação digna para esta família e subsidiar o arrendamento com este valor de “acolhimento”. O valor que, provavelmente, entregaria, caso o pequeno Heitor (ou as outras 3 filhas de Ana Paula) fossem institucionalizadas (e só neste processo a despesa pública seria mais elevada) e resultasse um processo de acolhimento por outra família. É óbvio que esta análise é a vertente economicista de uma Política Pública. A realidade é que, em muitas circunstâncias, e nesta em particular, mesmo uma Política Pública é muito mais do que uma despesa pública ou um mero subsídio financeiro. São vidas, afetos, relações familiares e sociais, crescimento humano e o fortalecimento de uma sociedade que se pretende coesa, inclusiva, justa e humanitária. E isso, cabe-nos, também, a nós todos.

"De Indecentes e más figuras, está o povo cansado!", opinião de Marcos Sousa
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"De Indecentes e más figuras, está o povo cansado!", opinião de Marcos Sousa

Dia 11 de março de 2025 - e volvido pouco mais de um ano de os portugueses terem dado à Aliança Democrática (AD) uma vitória magra nas últimas eleições legislativas - o Governo caiu, após o chumbo da moção de confiança apresentada pelo próprio. Quanto à moção de confiança, já lá vamos, uma vez que considero pertinente fazer um resumo daquilo que provocou a crise política que estamos a viver. A SpinumViva, fundada em 2021, foi apresentada, primeiramente, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, à época afastado da vida política, como uma empresa familiar constituída para gerir o património da sua família. Contudo, Luís Montenegro voltaria à vida política ativa, ao assumir a liderança do PSD em 2022 e, por conseguinte, transferiu as participações que detinha na SpinumViva para a sua esposa e para os seus filhos, contudo, como é casado em regime de comunhão geral de bens, as participações que havia transferido para a sua esposa continuavam, legalmente, a ser suas. O cenário ficou ainda mais problemático quando a Solverde anunciou que pagava uma avença mensal, de 4.500 euros, à empresa da família do primeiro-ministro. É prudente lembrar que Luís Montenegro já havia prestado serviços à Solverde, relacionados com a assessoria na negociação com o Estado, para a prorrogação da concessão dos casinos de Espinho e do Algarve ao grupo, até dezembro deste ano. Após outras empresas anunciarem que tinham contratos com a SpinumViva, CHEGA e PCP apresentaram moções de censura ao governo, sendo ambas rejeitadas na Assembleia da República. Contudo, no debate da moção de censura apresentada pelo PCP, Luís Montenegro, que já havia anunciado essa intenção numa declaração ao país, revelou que os partidos da oposição deveriam clarificar se existiam ou não condições para o Governo prosseguir com o cumprimento do seu programa sendo que, se essa clarificação não surgisse, o governo apresentaria uma moção de confiança. Foi agendado esse debate e, consequentemente, a votação que originou o chumbo já referido. Como seria de esperar o ambiente do debate foi escaldante, havendo troca de acusações entre o Governo e os vários partidos de oposição, em especial com o PS. Perto do fim do debate, Hugo Soares, líder da bancada parlamentar do PSD, afirmou que o Governo havia tentado de tudo para não levar o país a novas eleições, após o deputado ter sugerido a votação de um requerimento para a pausa nos trabalhos de 30 minutos, com o objetivo de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos poderem discutir uma solução, algo que o PS rejeitou, alegando que, num debate desta importância, todos os esclarecimentos deveriam ser dados aos portugueses no hemiciclo. Depois, Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares sugeriu que a CPI avançasse e que, em 15 dias se obtivessem as conclusões necessárias, algo que o Partido Socialista rejeitou, uma vez que as Comissões Parlamentares de Inquérito tendem a durar, no mínimo, 90 dias, podendo muitas delas ser prolongadas para 120 dias ou até mais. E, finalmente, após a intervenção de encerramento de Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças, e quando a votação se iria iniciar, o CDS-PP interpôs, potestivamente, um requerimento que levou o Presidente da Assembleia da República a interromper os trabalhos durante uma hora. Passando agora, à opinião propriamente dita, eu gostaria de começar por uma citação: "Indecente e má figura", foi a expressão que Luís Montenegro usou no 41° Congresso do PSD, realizado em Almada, para se referir à forma como o Governo de António Costa "caiu". Volvidos aproximadamente dois anos, eis que lhe bate à porta uma situação absolutamente confrangedora relacionada à já referida empresa familiar, SpinumViva, cuja sede se encontrava, até à bem pouco tempo, em sua casa. Não sendo jurista, não pretendo comentar a situação do ponto de vista jurídico, pois não possuo conhecimento para tal, contudo não posso deixar de tirar algumas conclusões após todo este processo. Ao longo deste tempo, Luís Montenegro, o seu Governo e as bancadas parlamentares que o sustentam apresentaram uma postura sobranceira, arrogante e, no debate de ontem, tentaram manobrar o desconhecimento que a maioria dos portugueses tem sobre as regras do Regimento da Assembleia da República para mostrar uma aparente predisposição para negociar com a oposição. É possível pensar que o povo, já farto de eleições, irá responsabilizar nas urnas o/os partido/s que pensem ter provocado uma nova crise política, contudo não posso deixar de acreditar que o senhor primeiro-ministro se pôs a jeito, na medida em que os esclarecimentos que tem prestado não têm sido suficientes, deixando o ónus de uma eventual crise política para os partidos políticos da oposição representados na Assembleia da República. Todo este taticismo político que tem sido aplicado ao longo deste processo não faz bem à democracia, esta atitude prepotente e irresponsável do primeiro-ministro português não faz bem à democracia, até o simples facto de Luís Montenegro não admitir qualquer problema ético relacionado à sua conduta deve ser encarado com um problema. Não é normal que uma empresa de um primeiro-ministro receba avenças de uma outra empresa, sobretudo quando se trata de uma empresa que precisa do Estado para garantir grande parte do seu volume de negócios. Dito isto, impõe-se uma reflexão: Luís Montenegro e o seu Governo insistem em propagar a ideia de que tudo isto não passa de uma tentativa da oposição de desestabilizar o país, de criar artificialmente uma crise política. Contudo, é inegável que quem se colocou nesta posição foi o próprio primeiro-ministro, uma vez que, desde o início deste caso, a estratégia governativa tem sido a da fuga para a frente, com respostas pouco convincentes, silêncio e um desrespeito flagrante pelas mais elementares regras de transparência e ética política. Acusar o Partido Socialista de ser um fator de instabilidade no país é anedótico, uma vez que tudo fez para suportar este Governo, viabilizando o Programa de Governo, o primeiro Orçamento de Estado e chumbando duas moções de censura. Contudo, não é possível suportar quem se quer deixar cair ao apresentar uma moção de confiança que já tinha chumbo garantido. Termino, dizendo que o verdadeiro “adulto na sala” foi o Partido Socialista que sempre defendeu a necessidade de estabilidade para governar, mas sem permitir que essa estabilidade sirva de escudo para ocultar práticas que fragilizam a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. O que está aqui em causa não é apenas uma eventual questão de legalidade – é uma questão de credibilidade, de respeito pelo interesse público e de compromisso com um exercício digno e íntegro do poder e nisso, este governo falhou.

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Encontro com a Dança de Aveiro apresenta-se em palco no início de maio
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Encontro com a Dança de Aveiro apresenta-se em palco no início de maio

Com o tema “Dança no tempo”, o ECADAv constitui uma mostra pública de dança nas diversas modalidades, com o principal objetivo de divulgar o trabalho desenvolvido pelos diversos grupos, escolas, academias, associações e projetos do Município de Aveiro nas diversas vertentes da Dança. A iniciativa contará com cerca de 190 bailarinos que vão interpretar diversas coreografias por 16 classes de nove escolas e academias nas áreas de hip hop, dança contemporânea, dança clássica, fusion, dancehall, ginástica rítmica, dança oriental e dança aérea. A participação é aberta a toda a comunidade com bilheteira gratuita, mas limitada à lotação do espaço.

Aberto concurso para concessão do Restaurante  do Mercado José Estevão
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Aberto concurso para concessão do Restaurante do Mercado José Estevão

O concurso está a decorrer com o valor base de ocupação mensal de 3.000€ (+ IVA), a que corresponde o valor total de 342.000€ (+ IVA) por um período de 10 anos e um período de carência de seis meses. As propostas devem ser submetidas até às 17h do dia 11 de maio. Em nota enviada às redações, o município dá nota de que a gestão integrada para o Mercado José Estevão pretende “disponibilizar serviços e produtos de forma modernizada e coordenada”. “A concessão incluirá a exploração do restaurante no primeiro piso, bem como dois quiosques e uma esplanada no rés-do-chão, funcionando estes como extensão do espaço principal. A restante área será mantida como Praça Pública, sob a gestão da CMA, reforçando-se como espaço central para eventos, reuniões e encontros da comunidade, à semelhança do ocorrido ao longo do ano de 2024”, refere o município.

Comunidade Intermunicipal de Aveiro prepara obra de defesa do Baixo Vouga
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Após um concurso sem sucesso, a empreitada foi adjudicada por cerca de 24,3 milhões de euros, com um prazo de execução de 24 meses. “A Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA) e o empreiteiro iniciarão agora os preparativos técnicos e financeiros para dar início à obra”, informa em comunicado. No comunicado, saído da reunião de quarta-feira daquele órgão da Comunidade Intermunicipal (CIRA), é saudada a decisão do Governo de assegurar a componente nacional do financiamento e reiterado o compromisso na concretização das obras. Desde 2016, a CIRA tem liderado um conjunto de três projetos, totalizando cerca de 45 milhões de euros, destinados a preservar o ecossistema do Baixo Vouga Lagunar.  Para além do Sistema de Defesa Primário, cujo financiamento foi agora assegurado, estão em curso as obras de construção da ponte-açude do Rio Novo do Príncipe e a reabilitação da margem esquerda. O Sistema de Defesa Primário, que teve um troço construído entre 1995 e 1999, que não teve seguimento, foi retomado pela CIRA, que concluiu o plano em 2020 e obteve a Declaração de Impacte Ambiental em fevereiro de 2023.  A Resolução do Conselho de Ministros publicada na segunda-feira desbloqueou o financiamento necessário, que será assegurado por fundos europeus em 14,6 milhões de euros entre 2025 e 2026, e na componente nacional pelo Fundo Ambiental, com 10,4 milhões de euros entre 2027 e 2028. A obra a realizar abrangerá os municípios de Aveiro, Albergaria-a-Velha e Estarreja, e incluirá a construção de diques, estruturas hidráulicas, sistemas de drenagem, uma estrutura verde e caminhos rurais. O objetivo é proteger o potencial agrícola e o ecossistema do Baixo Vouga Lagunar.

Assembleia Geral do SC Beira-Mar chumba proposta de criação de uma sociedade desportiva
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Assembleia Geral do SC Beira-Mar chumba proposta de criação de uma sociedade desportiva

Segundo os estatutos do clube e tal como a Ria já tinha avançado antes do início da Assembleia Geral, a proposta precisava de uma maioria qualificada de três quartos dos associados presentes para ser aprovada. Dos 144 sócios presentes, surgiram 103 votos a favor, 23 votos contra e 18 abstenções. Seriam necessários 108 votos a favor para alcançar os 75%. A proposta estava diretamente ligada ao pré-acordo celebrado com o empresário brasileiro Breno Dias Silva, anunciado a 20 de janeiro, que previa um investimento de 10 milhões de euros, nos quais 1,5 milhões de euros para liquidação do passivo do clube, até 3,5 milhões de euros para constituição de um centro de excelência e performance e 5 milhões de euros no futebol sénior ao longo de 5 anos. Apesar do apoio da direção, liderada por Nuno Quintaneiro, a proposta gerou dúvidas entre alguns associados, entre os quais vários antigos dirigentes, que manifestaram preocupações com a falta de informação sobre a empresa que participaria na constituição da sociedade desportiva, bem como com a inexistência de uma garantia bancária internacional dos 1,5 milhões de euros previstos para liquidação do passivo. Note-se que uma garantia bancária internacional é uma operação na qual um banco, a pedido e por conta de um cliente, garante o bom pagamento de uma determinada quantia perante um terceiro, em caso de incumprimento por parte do seu cliente. Em resposta a estas dúvidas, Nuno Quintaneiro, presidente da direção do SC-Beira-Mar quis deixar claro aos associados presentes que só avançaria para a escritura "depois de ter meio milhão de euros na conta do Beira-Mar". Simultaneamente, anunciou que já tinha a confirmação do empresário Breno Dias Silva que estaria disponível para apresentar "anualmente uma garantia bancária de 100 mil euros durante 10 anos". Nuno Quintaneiro afirmou ainda que a direção não tinha conseguido arranjar nenhum investidor disponível para apresentar uma garantia bancária de 1,5 milhões de euros. Apesar disso, a proposta da direção foi chumbada. Com este resultado, o SC Beira-Mar mantém-se como clube desportivo sem sociedade desportiva e o futuro do projeto com Breno Silva fica agora em suspenso. Numa breve nota enviada à Ria, Nuno Quintaneiro dá nota que não se vai "pronunciar para já sobre a AG de hoje", afirmando ainda que "a direção irá reunir, refletir sobre o resultado da votação de hoje e tomar uma posição nos próximos dias, com o sentido de responsabilidade". A Ria Rádio Universitária de Aveiro continuará a acompanhar os próximos passos do clube aurinegro.